A BHP Billiton, gigante do setor de matérias-primas, passou anos fazendo pesados investimentos para extrair minério de ferro na Austrália, escavar cobre no Chile e bombear petróleo na costa de Trinidad, tudo para atender à crescente demanda da China, seu maior cliente.
No entanto, agora, a BHP está se retraindo por causa da desaceleração da economia chinesa, que não tem mais a mesma força dominante no mercado de commodities. Os lucros estão caindo, e a empresa reduziu em mais de dois terços seus investimentos.
O rápido crescimento chinês da última década redefiniu a economia mundial, impulsionando estratégias empresariais, mercados financeiros e decisões geopolíticas. A China parecia ter ímpeto suficiente para garantir uma fonte estável de lucros. Porém, o agravamento dos temores econômicos associados à China está obrigando a uma profunda revisão. Apesar de continuar sendo uma presença grande e onipresente na economia global, a China atualmente exporta incertezas para o mundo, num cenário de possíveis oscilações repentinas e crescimento desequilibrado. Isso obriga os setores econômicos que construíram suas estratégias e lucros em torno da China a reavaliarem a situação.
Multinacionais industriais e de commodities enfrentam as maiores preocupações. A Caterpillar, fabricante de equipamentos pesados, reduziu a sua produção industrial depois que suas vendas na China caíram pela metade no primeiro semestre. Fabricantes de smartphones, montadoras de automóveis e redes de varejo se perguntam sobre a manutenção do poder de compra dos consumidores chineses.
Não são apenas as empresas que começaram a reavaliar suas premissas. A Rússia vinha se voltando para a China na esperança de preencher a lacuna financeira deixada pelos baixos preços do petróleo e por sanções ocidentais. Venezuela, Nigéria e Ucrânia dependem muito dos investimentos e empréstimos da China.
O golpe está sendo particularmente doloroso para o Brasil. A queda nas importações chinesas de minérios e soja sacudiu toda a América Latina. A incerteza com relação à China pode limitar a margem de manobra das autoridades brasileiras para enfrentar a crise econômica, num momento de forte ressentimento com as novas medidas de austeridade propostas no país.
A fraqueza da China está obrigando até mesmo os funcionários do Federal Reserve (banco central dos EUA) a pensarem de forma mais global na discussão sobre um possível aumento das taxas de juros. William Dudley, presidente do Fed de Nova York, disse que um aumento do índice de referência neste mês parece agora menos provável do que há algumas semanas.
“O mundo inteiro está olhando para a China, observando o desenrolar desta crise”, disse Armando Monteiro Neto, ministro brasileiro do Desenvolvimento e Comércio Exterior.
O problema é que é difícil discernir a verdadeira força da economia chinesa —assim como as políticas que sua liderança adotará para enfrentar possíveis fraquezas. O crescimento da China, que o governo estima em 7% ao ano, está sendo questionado. Grande parte do setor de serviços da China, como o da saúde, continua crescendo. Por outro lado, nos setores industriais —justamente aqueles nos quais outros países e empresas estrangeiras têm a maior participação— os sinais desenham um quadro mais sombrio.
Além disso, a recente explosão de um armazém de produtos químicos em Tianjin, no nordeste da China, atrasou os embarques em um dos maiores portos do país, contribuindo para as preocupações. Os salários atrasados em instalações exportadoras chinesas resultaram em um forte aumento dos protestos trabalhistas.
A liderança chinesa, preocupada em manter a estabilidade social, faz manobras agressivas para sustentar o mercado acionário, injetar dinheiro no sistema financeiro e estimular a economia. Mas o presidente Xi Jinping não tem muita experiência na gestão de uma crise econômica.
Muitos executivos e economistas dizem que prever o crescimento da China ficou difícil demais. “Não posso tomar decisões de longo prazo com base no que está acontecendo hoje, por isso simplesmente deixo a nossa frota funcionando até termos um pouco de orientação”, afirmou Tim Huxley, executivo-chefe da companhia de navegação Wah Kwong Maritime Transport Holdings, de Hong Kong.
Os problemas se acumulam há vários meses em áreas como indústria e matérias-primas, onde a desaceleração do crescimento chinês acarreta consequências desproporcionalmente altas.
A Vale, a gigante brasileira da mineração, tenta se desfazer de ativos. Na Austrália, a Vale e sua parceira japonesa, a Sumitomo Corporation, venderam em julho uma mina de carvão por US$ 1 —mina que há três anos havia sido avaliada em US$ 600 milhões. Na Argentina, a Vale tenta vender uma mina de potássio na qual investiu mais de US$ 2 bilhões.
A desvalorização das commodities tem sido dolorosa para os mercados emergentes que dependem da venda desses produtos. O governo da presidente Dilma Rousseff está sendo criticado em razão da dependência do Brasil em relação à China. Nos primeiros sete meses do ano, as exportações brasileiras para a China se contraíram em 23,6% com relação ao mesmo período de 2014, ficando em US$ 24,7 bilhões.
No caso da Rússia, a China deveria ser o grande salvador financeiro. No ano passado, Moscou assinou um acordo de US$ 400 bilhões para fornecer gás natural à China, que por sua vez ajudaria a financiar um gasoduto de quase 4.000 km destinado a transportar combustível a partir da Sibéria. Mas os preços que a China está disposta a pagar pelo gás estão caindo a um ponto em que a construção do gasoduto já deixa de ser viável. A Gazprom, gigante russa do setor energético, reduziu pela metade os investimentos previstos para o primeiro trecho do gasoduto neste ano, segundo relato do canal de TV Dojd.
“A China é um país opaco”, disse Aleksandr Abramov, professor de finanças da Escola Superior de Economia de Moscou. “Não sabemos o que esperar”, afirmou.“É evidente que a situação vai piorar na Rússia”.
Há anos a Alemanha está bem posicionada para lucrar com o crescimento chinês, pois sua especialidade são máquinas e outros equipamentos industriais. Agora, porém, os grandes exportadores alemães veem sinais de pressão.
Andrew Mackenzie, executivo-chefe da BHP, resumiu a visão empresarial mais ampla ao falar com otimismo sobre o potencial chinês na próxima década, prevendo que os lucros vão se manter. Mas ele admitiu que a produção de aço na China deve “crescer um pouco mais lentamente”, citando uma previsão de apenas 1,4% de expansão anual —cifra que soa mais típica da Europa do que da outrora embalada economia chinesa.
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