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Diversidade em campo

Crianças jogando futebol em uma favela;A Karachi United Football Foundation acredita que o futebol possa trazer diversidade étnica, sectária e sexual ao esporte paquistanês | Athar Hussain/Reuters
Crianças jogando futebol em uma favela;A Karachi United Football Foundation acredita que o futebol possa trazer diversidade étnica, sectária e sexual ao esporte paquistanês (Foto: Athar Hussain/Reuters)

Todo menino paquistanês, ao que parece, já sonhou em se tornar astro em um dos esportes nacionais do país: críquete, hóquei sobre a grama ou squash.

Mas o acesso ao esporte, como tantas outras coisas, está historicamente relacionado a classe, sexo e privilégio. Os mais pobres não têm as mesmas oportunidades que os ricos, e as meninas ficam completamente excluídas.

A Karachi United Football Foundation, no entanto, acredita que o futebol possa levar a diversidade ao esporte paquistanês. Ela está investindo em futebol não apenas como esporte, mas como meio de democratização.

Os esportes sempre espelharam a política no sul da Ásia. Os britânicos introduziram o futebol no século 19. O esporte prosperou na região de Bengala, onde entusiásticos jogadores locais competiam descalços contra times de militares britânicos.

Em outras porções do subcontinente indiano, porém, o críquete eclipsou o futebol. Os jogadores de críquete indianos, cujas ambições políticas revolviam em torno da independência, preferiam se esforçar por derrotar os britânicos no esporte que viam como característico de seu país.

O interesse do Paquistão pelo futebol surgiu na época em que o país foi formado. A Federação Paquistanesa de Futebol foi criada em 1947, e o Paquistão aderiu à Federação Internacional de Futebol (Fifa) em 1948. O esporte se tornou muito popular nas províncias de Baluchistão e Kyber Pakhtunkhwa, no oeste do país, mas a maioria dos jogadores eram oriundos do antigo Estado de Bengala, do qual o Paquistão Oriental foi criado.

Nos anos 1960, uma era dourada para o esporte paquistanês, críquete, squash e hóquei sobre a grama eram ensinados em escolas de elite como o Aitchison College, de Lahore, onde os herdeiros de famílias de alta reputação podiam se tornar ícones do esporte. Com as turnês internacionais do críquete, veio a fama, e a popularidade desse esporte disparou.

Enquanto isso, o futebol encontrava popularidade nas ruas menos prósperas de Quetta, Karachi e Dhara. As favelas de Karachi, com suas grandes populações de sheedis e makranis, muitos dos quais descendentes de escravos africanos radicados em Sindh e Baluchistão, abrigavam partidas ferozmente disputadas entre jogadores em sua maioria descalços, o que cimentou a reputação do futebol como “esporte de pobre”.

Depois, em 1971, o Paquistão Oriental se tornou independente sob o nome de Bangladesh, o que custou ao Paquistão os melhores jogadores de seus times e da seleção nacional. Com o país e os times lutando por se recuperar, apenas grandes empresas e instituições como o Exército, as ferrovias ou a Water and Power Development Authority tinham condições de contratar futebolistas e formar equipes.

Depois de um breve renascimento nos anos 1980, o futebol paquistanês naufragou de novo nos anos 1990 e 2000, em função de problemas financeiros e disputas políticas na Federação Paquistanesa de Futebol. Hoje, existem clubes de futebol em todas as cidades, mas eles recebem apenas uma fração do patrocínio e da atenção que o críquete conquista.

É aí que entra o Karachi United Football Club, organização criada em 1996 por entusiastas do esporte. Eles viam a oportunidade de promover o desenvolvimento de base de talentos futebolísticos e criaram a Academia Juvenil de Karachi. A organização coloca crianças —meninas e meninos— nos gramados, as ensina a jogar e desenvolve uma cultura de trabalho de equipe.

O plano original de “desenvolver jogadores jovens que possam se unir aos veteranos dos times” evoluiu para um investimento de longo prazo no futebol, que agora começa a produzir resultados.

O Karachi United tem uma divisão masculina, uma divisão feminina e um programa de futebol juvenil. Torneios e treinamentos são realizados regularmente. Os jogadores da academia juvenil visitaram o centro de treinamento do Manchester United em 2004, e dois jogadores do juvenil participaram das sessões de treinamento de verão de outro time inglês, o Charlton Athletic Football Club, em 2006.

Os organizadores do clube tinham a visão de usar o esporte para promover o desenvolvimento comunitário —inicialmente por meio do clube e mais tarde com a criação da fundação, que reúne jogadores talentosos das comunidades menos desenvolvidas de Karachi e permite que eles joguem juntos em um ambiente seguro. A fundação agora opera 13 “centros de excelência” nos quais mais 800 crianças treinam. Os jogadores de talento têm a oportunidade de chegar à liga sênior do Karachi United Football Club.

Os organizadores encontraram um benefício inesperado ao dirigir a fundação: a beleza da diversidade. O Paquistão tem uma miríade de grupos étnicos e seitas religiosas que vivem em tensão. No entanto, nos gramados do futebol, as diferenças parecem desaparecer. Jogadores balúchis, pashtun, sindhi e makrani saem do clube pensando só no futebol. “Encorajar a diversidade não era um de nossos objetivos iniciais”, disse Imran Ali, o presidente da fundação. “Mas começamos a atingir mais e mais comunidades e percebemos que Karachi era um cadinho de raças”.

Ali se orgulha especialmente da diversidade étnica da equipe juvenil. “Eles não se preocupam com a aparência de seus colegas de time”, diz. “Só querem saber se eles são bons nos passes, nos chutes, e se eles se divertem jogando com os outros”.

Ali também está animado com um programa que envolve cem meninas de Lyari, área de Karachi que enfrenta problemas graves de violência gerada por drogas e gangues. “Se conseguirmos manter esse esforço por cinco ou dez anos”, disse, “comportamentos, mentalidades e personalidades serão mudados. Todos os jogadores se tornarão treinadores, pais e mães”.

O futebol tem muitos desafios a superar no Paquistão, o que inclui pouca atenção da mídia e escassez de dinheiro e patrocínio, Mas a contratação de Kaleemullah Khan, o capitão da seleção nacional paquistanesa, pelo Sacramento Republic Football Club, como o primeiro jogador paquistanês no futebol profissional dos Estados Unidos, e a participação de Hajra Khan, capitã da seleção feminina paquistanesa, em três processos seletivos de clubes da Bundesliga alemã nas últimas semanas, mostrou que existe talento futebolístico no Paquistão. E há motivo para acreditar que o esporte possa fazer algo bonito pelo país.

Bina Shah é autora de diversos livros de ficção, entre eles “A Season for Martyrs” (sem tradução para o português).

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