Os resultados da histórica eleição no mês passado na Nigéria, o país mais populoso e a maior economia da África, provocaram elogios mundiais e esperanças de um efeito dominó democrático no continente.

CARREGANDO :)

Se um presidente em exercício pode entregar o poder de boa vontade, transferindo-o pacificamente para outro partido, na Nigéria —com sua história de golpes militares e rivalidades étnicas e religiosas mortíferas, para não falar em uma furiosa insurgência islamista— por que o mesmo não poderia acontecer em outros lugares?

Nas últimas duas décadas, governantes perderam eleições e cederam o poder tranquilamente à oposição em cerca de dez outros países africanos, principalmente países menores como Senegal, Benim, Zâmbia e Malawi.

Publicidade

Mas em nenhum lugar as apostas foram tão altas quanto na Nigéria, onde a vasta riqueza do petróleo há muito tempo intensifica batalhas políticas e onde a perda de poder, neste caso pelo presidente Goodluck Jonathan e seu poderoso Partido Democrático Popular, representou uma súbita interrupção do fluxo de riquezas para esse grupo.

“Dado o tamanho da Nigéria e a influência direta que ela exerce sobre os países vizinhos, isso torna muito mais respeitável e aceitável a ideia de mudança para os círculos de elite”, disse Steven Friedman, analista político na Universidade de Johannesburgo. “Precisamos ver o que acontecerá. Porém, o modo como tudo aconteceu foi significativo.”

“Ainda assim, isso vai convencer os generais de Zimbábue a parar de fazer o que estão fazendo?”, acrescentou.

“Absolutamente não.”

Do outro lado do continente africano, movimentações importantes estão ocorrendo.

Publicidade

Nos últimos meses, seguidores do presidente Paul Kagame, de Ruanda, iniciaram uma campanha na mídia pedindo uma reforma constitucional para permitir que ele dispute um terceiro mandato em 2017.

Esforços semelhantes estão ocorrendo em alguns outros países, como a República Democrática do Congo e Burundi.

Dois dias depois de Jonathan admitir a derrota na Nigéria —dizendo em público a seu partido, há anos no poder, que ele “deveria estar comemorando em vez de se lamentando”, por ter “estabelecido um legado de liberdade democrática”—, Kagame sinalizou estar disposto a continuar no governo.

Alguns analistas disseram que o resultado da eleição na Nigéria pode ser considerado menos uma transferência democrática genuína do que uma mudança de lugar dos agentes de poder históricos.

O presidente recém-eleito, Muhammadu Buhari, é um ex-general que já serviu como governante militar da Nigéria depois de chegar ao poder em um golpe.

Publicidade

O primeiro presidente da Nigéria depois do retorno à democracia em 1999, Olusegun Obasanjo, também era um general aposentado e ex-governante militar.

O partido político de Buhari, o Congresso de Todos os Progressistas, foi criado em 2013, quando três partidos de oposição formaram uma aliança. O Partido Democrático Popular de Jonathan detém o poder desde 1999.

Alguns veem a rápida concessão de Jonathan —e o possível surgimento na Nigéria de um verdadeiro sistema bipartidário— como um sinal de maturidade política no continente. Eles também o consideram um desafio a outros países africanos —incluindo o outro gigante do continente, África do Sul— que são efetivamente democracias unipartidárias.

O Congresso Nacional Africano (CNA) governa a África do Sul desde o fim do apartheid em 1994, embora tenha perdido eleições regionais. Em nível nacional, a parcela de apoio ao CNA diminuiu em todas as eleições.

Alfredo Tjiurimo Hengari, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, disse que, mesmo com a recente transferência de poder, a Nigéria carece de uma sociedade civil forte e de instituições democráticas. São elas que tornam o governo sul-africano mais responsável, em comparação.

Publicidade

Poucos duvidam de que o CNA aceitará pacificamente uma eventual perda de poder no plano nacional, assim como ocorreu nas eleições locais, disse ele.

“Se a Nigéria fornece o ‘big bang’, houve mudanças menores na África do Sul que acostumaram o CNA à possibilidade de perder o poder em algum momento”, disse Hengari.

Os eleitores apoiaram de forma arrasadora os partidos governantes em outras democracias unipartidárias, entre elas Namíbia e Botsuana, em eleições recentes.

Os partidos governantes nas democracias unipartidárias —para não falar em governos mais autoritários, como o do Zimbábue— provavelmente não se sentiram ameaçados pela perda do Partido Democrático Popular da Nigéria, disse Hengari.

Apesar de o partido ter governado a Nigéria por 16 anos, ele não tinha a legitimidade de outros partidos dominantes como o CNA, que tiveram uma atuação central para libertar seus países do regime colonial.

Publicidade

“Não acho que para a África do Sul as lições da Nigéria tenham uma natureza democrática”, disse Hengari. “É uma situação em que a África do Sul diz: ‘Bem, é bom ver a Nigéria se estabilizar democraticamente’.”