“Aferim!” aborda o longo histórico do preconceito contra ciganos na Europa.| Foto: Silviu Ghetie/

As demoradas cenas em preto e branco de “Aferim!”, novo filme de Radu Jude, nas quais dois cavaleiros percorrem vastas paisagens desoladas poderiam ter saído diretamente de um western americano clássico —e o mesmo pode-se dizer também do seu tema central, a injustiça.

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No entanto, o filme se passa no século 19, na Valáquia (parte da atual Romênia), onde durante quase 500 anos, até 1856, os membros da etnia rom (ou ciganos) eram vistos como bens que podiam ser comprados e vendidos.

O filme, que ganhou o Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim, representará a Romênia na disputa do Oscar de melhor filme em língua estrangeira.

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A obra motivou um intenso debate sobre a escravização dos roma (plural de rom), assunto que até recentemente era pouco abordado publicamente.

“Entre os ativistas roma, o filme causou impacto, e muitos estão pensando em usá-lo para fins de conscientização”, disse Margareta Matache, que entre 2005 e 2012 foi diretora-executiva da Romani Criss, importante ONG voltada para os direitos dessa etnia.

“Há nos EUA uma sensação de constrangimento pela escravidão”, disse. “Já na Romênia, a escravidão existiu por quase 500 anos, mas não há nada —nada nos livros de história e nos museus e nenhum memorial.”

Em 2011, a Romênia instituiu um feriado para celebrar a abolição da escravidão dos ciganos, em 1856. Mas Jude disse que, mesmo assim, o assunto “só foi discutido em círculos estreitos de historiadores e ativistas roma”.

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Seus dois primeiros longas, também muito elogiados, contavam histórias mais contemporâneas de famílias em dificuldades.

O cineasta disse que “Aferim!” nasceu não apenas da carência generalizada de conhecimento sobre o período da escravidão, mas também por causa do tratamento dispensado aos roma hoje. “Eu quis ver como as repercussões do passado chegam ao presente”, disse Jude, 38, um dos principais cineastas da Romênia.

“Aferim!” é o segundo filme romeno a abordar a escravidão, segundo Jude. O primeiro, um filme mudo de 1923 chamado “Menina Cigana no Quarto”, aparentemente se perdeu, sobrando dele apenas alguns fotogramas isolados.

No filme de Jude, um policial e seu filho adolescente perseguem um escravo fugitivo, encontrando no caminho vários personagens que revelam a xenofobia da classe dominante, de camponeses e de sacerdotes cristãos ortodoxos da época. Com humor negro, o filme aborda o longo histórico de preconceito contra os ciganos em muitas partes da Europa, incluindo a Romênia.

O enredo é de ficção, mas Jude disse que se baseou em registros históricos. Antes do início das filmagens, ele leu o roteiro para 20 historiadores e fez ajustes de acordo com as reações que obteve.

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Apesar dos fartos elogios do público e da crítica a “Aferim!”, houve alguns reveses. “Depois que o filme saiu, houve centenas de comentários anônimos postados na internet dizendo que esses ciganos deveriam ser mortos e que estamos destruindo a imagem do nosso país”, disse Jude.

Sua reação, contou ele, foi simplesmente dizer: “Em vez de se preocupar em mudar a imagem da Romênia, por que não se preocupam em mudar a Romênia?”.

“Aferim!” é diferente de alguns filmes romenos bem acolhidos nos últimos anos, como “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, “Além das Montanhas” e “Instinto Materno” —em geral comentários sombrios sobre a Romênia contemporânea ou da época imediatamente posterior ao comunismo.

Jude se diz tranquilo sobre as chances de premiação do seu filme. “Espero que o filme seja discutido e usado como uma ferramenta para novas reflexões e pesquisas”, disse. “Isso é mais importante do que alguém dizer: ‘Esse filme é legal’.”