Com mãos rápidas, pés minúsculos e centro de gravidade baixo, Angelica Guerrero Ortega é uma excelente colhedeira da indústria do ópio.
Trabalhando na região de Sierra Madre del Sur, onde um número recorde de plantações de papoula cobrem as montanhas de tons de verde, rosa e roxo, ela percorre as encostas com a agilidade de uma bailarina. E embora tímida, se anima toda ao falar da atividade: o talho delicado no bulbo e a retirada cuidadosa da goma que lhe rendem mais em um dia do que o que os pais faturam durante uma semana inteira.
O fato de ela ter apenas quinze anos não incomoda os moradores da minúscula aldeia onde vive; afinal, em um cenário de oportunidades escassas, a renda é mais importante que a educação.
“É a nossa melhor opção. Lá na cidade não há nada para nós, nenhuma chance”, avalia Angelica, encostada contra a casa de madeira do vilarejo onde quase todas as crianças trabalham nos campos.
O que confirma a alta que reflete a simbiose problemática existente entre o México e os EUA. As autoridades dos dois países dizem que a produção de ópio mexicana aumentou 50 por cento só em 2014, resultado do apetite voraz dos norte-americanos, do empobrecimento dos agricultores do país vizinho e do empreendedorismo dos cartéis.
Os norte-americanos que abusam de remédios estão em busca de “baratos” mais acessíveis, já que a repressão sobre o abuso de analgésicos tornou o vício caro demais. E a legalização da maconha em alguns estados forçou a queda dos preços, levando vários produtores mexicanos a substituírem as plantações. Enquanto isso, os cartéis se adaptaram e já começam a se beneficiar de um mercado antes reservado apenas para a heroína de alta qualidade do Sudeste da Ásia.
Nos EUA, onde as mortes por overdose cresceram 175 por cento entre 2010 e 2014, os políticos e a polícia parecem ter dificuldade em reagir. No México, castigado pela violência do narcotráfico, o governo afirma ter erradicado um número recorde de plantações de papoula no ano passado.
Em nenhum outro lugar, porém, os efeitos desse aumento são mais explícitos que em Guerrero, estado mais violento da nação, paralisado por desaparecimentos sem pistas, palco de uma guerra competitiva sangrenta travada por facções criminosas. Ali, em lugares como Calvario, onde a lei praticamente não existe, é cada vez maior o número de agricultores que opta por investir na cultura da papoula para sobreviver.
O governador de Guerrero recentemente comparou seu estado ao Afeganistão, maior produtor mundial de ópio. “Estamos praticamente na mesma situação, mesmo sendo menores que eles, que são um país”, afirmou Rogelio Ortega Martínez, cujo estado teve o maior aumento na produção de ópio de todo o México.
Porém, ao contrário do Afeganistão, Guerrero, que abriga o famoso resort de Acapulco, não é uma zona de guerra – mas as semelhanças são assustadoras. “Não é a produção de drogas que gera o subdesenvolvimento; é a falta de desenvolvimento que incentiva o cultivo do ópio”, diz Antonio Mazzitelli, diretor do Escritório das nações Unidas Sobre Drogas e Crime no México.
Ou, nas palavras de um agricultor de Calvario: “Não há ordem por aqui. Somos governados pelo narcotráfico.”
Os moradores dos vilarejos não veem nada errado no cultivo da papoula. Ninguém ali usa o produto final, a heroína; além disso, o afastamento gera certa dissociação. Calvario, embora a apenas alguns quilômetros da capital estadual, é isolada, aonde se chega após uma hora de carro por estradas de terra nas montanhas, atravancadas de pedras e galhos. Na vila onde moram cerca de cem pessoas, alguns agricultores nem sabem direito para que é usada a papoula.
José Luis García, que mora e planta ali, retrata bem a ética do sistema. “A culpa não é daqueles que semeiam a lavoura da papoula, mas dos idiotas que consomem o ópio.” Para os produtores locais, a lavra tem certa lógica, pois a papoula é uma planta resistente, com duas safras anuais. E vender a produção é mais fácil ainda, pois os traficantes vão até eles.
Tanto os agricultores como as autoridades concordam que o controle do setor está nas mãos do cartel Sinaloa, liderado por Joaquín Guzmán Loera, mais conhecido como El Chapo, indiscutivelmente o chefão mais famosos do tráfico, principalmente depois de ter fugido do presídio mais vigiado do México, em julho. Sua volta ao narcotráfico é vista com bons olhos no estado.
“Ele vai trazer mais dinheiro para a região. Vai facilitar as coisas para todo mundo”, prevê García.
Mas não há nada fácil no cultivo da papoula nesse trecho estéril do país, que se encontra a uma altitude de mais de três mil metros.
“Não há muitas opções de se ganhar dinheiro. Se a gente não trabalhar, não dá para ajudar a família”, filosofa Arturo Guerrero, 13 anos.
A necessidade de trabalhar é premente – e é por isso que tanto Arturo quanto seu primo Agustín, 17 anos, abandonaram os estudos este ano.
“Se eu tivesse tido a chance de continuar estudando, gostaria de ter seguido a carreira militar, mas agora já é tarde”, lamenta Arturo.
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