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No Brasil, polícia mata impunemente

As tensões se acirraram depois dos tiroteios da polícia envolvendo até crianças. Policiais se posicionam em uma área pobre do Rio de Janeiro | Ricardo Moraes/Reuters
As tensões se acirraram depois dos tiroteios da polícia envolvendo até crianças. Policiais se posicionam em uma área pobre do Rio de Janeiro (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

Eduardo de Jesus estava na porta de casa, no Complexo do Alemão, um labirinto de casas de alvenaria, quando sua mãe ouviu disparos. Segundos depois, ela viu o menino de dez anos caído, morto com um tiro na cabeça, e correu para o policial que tinha uma arma na mão.

“Eu o agarrei pelo colete e gritei: ‘Você matou meu menino, seu desgraçado!’”, conta Terezinha Maria de Jesus, 40 anos.

“E ele respondeu: ‘E da mesma forma que matei ele, posso matar você também’, apontando o rifle para a minha cabeça. Mas não me dei por vencida: ‘Então mata. Você já destruiu uma parte minha, leva o resto.’”

As imagens do corpo inerte de Eduardo e os gritos dos vizinhos denunciaram a ação da polícia; registrada nos celulares, é uma amostra do desespero de uma sociedade onde crimes como esse são tão comuns que tornam as estatísticas da maioria dos outros países irrisória.

Pelo menos 2.212 pessoas foram mortas por oficiais no Brasil em 2013, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – mas os especialistas dizem que esse número pode ser muito mais alto, já que alguns estados não registram esse tipo de crime. Nos EUA, que têm bem mais de cem milhões de habitantes que o Brasil, o FBI conta um número significativamente menor: 461 no mesmo período.

Entretanto, enquanto geram protestos entre os norte-americanos, eles são amargamente engolidos pelos brasileiros como um padrão de policiamento em um país castigado por crimes violentos.

“As crianças, adolescentes e adultos mortos pela polícia no Brasil são vítimas de um massacre que faz mais vítimas que algumas zonas de guerra”, afirma Antônio Carlos Costa, pastor presbiteriano que ajuda a denunciar casos de crianças com menos de 14 anos mortas pelas autoridades.

Com esse tipo de crime crescendo no Rio – já que as autoridades querem reprimir a criminalidade a todo custo, em preparação aos Jogos Olímpicos do ano que vem – a revolta se manifesta de vez em quando. Depois da morte de Eduardo, a polícia dispersou manifestações com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha no Complexo do Alemão.

Porém, em grande parte do Brasil, a proposta de um policiamento mais ostensivo está ganhando voz e terreno.

Em resposta aos temores de um país cuja taxa de homicídios é maior que a de qualquer outro – foram 50.108 em 2012, segundo a ONU – políticos conservadores, com experiência na área policial e um discurso repressivo da criminalidade, receberam milhares de votos nas eleições federais e estaduais do ano passado.

Paulo Telhada, astro político em ascensão, se gaba de ter matado mais de trinta pessoas quando era da polícia em São Paulo.

“Certos segmentos da classe média aceitam a violência policial como uma prática legítima”, constata Ivan C. Marques, diretor do Instituto Sou da Paz, grupo que atua no combate à violência.

Só no estado do Rio, a polícia matou pelo menos 563 pessoas em 2014, 35 por cento a mais que no ano anterior, segundo o Instituto de Segurança Pública.

Para os pesquisadores, as razões para o grande número de mortes causadas por policiais variam muito. Quase sempre mal treinados e com péssimos salários, os homens e mulheres que patrulham as favelas têm um instinto de atirar primeiro e checar depois. Uma vez que o narcotráfico controla muitos presídios, prender os bandidos e mandá-los para a cadeia é considerado fomento do aumento da criminalidade e não uma forma de reduzi-la.

Muitos grupos de direitos humanos questionam se as autoridades estão tentando diminuir as mortes causadas por ações policiais. Michel Misse, sociólogo da Universidade Federal do Rio, disse que dos 707 casos contra policiais, a Promotoria se recusou a proceder ao indiciamento em mais de 99 por cento deles. No caso de Eduardo, Luiz Fernando Pezão, governador do Rio, reconheceu que houve “um erro”.

“Isso aí é só falatório. Às vezes, fecho os olhos e imagino que ele ainda está vivo”, diz Terezinha sobre Eduardo.

“Mas quando abro de novo é como se levasse um golpe.”

Contribuíram Lis Horta Moriconi e Nadia Sussman

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