Em um dia de tempestade no sul de Utah, no verão americano passado, o paleontólogo Alan Titus andava na beira de uma estrada com calor, molhado e irritado. Uma equipe da Califórnia deveria ajudá-lo na vistoria de um terreno acidentado do Monumento Nacional Grand Staircase-Escalante. No entanto, seus colegas o tinham abandonado devido ao mau tempo.
Seus olhos então se voltaram para uma área plana perto do riacho Wahweap, a 180 metros da estrada. Ali, estava o crânio de um tiranossauro adulto e, ao seu lado, um artelho.
Os tiranossauros ocupam um lugar de destaque no imaginário público, mas esses predadores pré-históricos são raros no registro fóssil. “Foi a descoberta de minha vida”, disse Titus, paleontólogo do Burô de Gestão Fundiária dos EUA.
Ainda assim, essa foi apenas uma das muitas descobertas extraordinárias feitas no local.
Nos últimos 15 anos, Titus e seus colegas do Burô —e também do Museu de História Natural de Utah e do Museu de Natureza e Ciência de Denver, além de centenas de voluntários, estagiários e pesquisadores— escavaram dezenas de milhares de fósseis de uma parte do monumento Grand Staircase conhecida como o planalto de Kaiparowits, um espinhaço elevado com 80 quilômetros de comprimento.
O Kaiparowitz, que abriga um dos maiores tesouros de fósseis do período Cretáceo Superior, está permitindo aos pesquisadores saber como os dinossauros viviam cerca de 10 milhões de anos antes de sua extinção repentina.
As descobertas feitas ali contestam ideias vigentes de longa data sobre a fisiologia dos dinossauros, sua evolução e o ambiente em que viviam.
A preservação dos fósseis no Kaiparowitz é espetacular: há esqueletos articulados, couro fossilizado e plantas de aparência tão espantosamente fresca que suas folhas podem ser retiradas da rocha sem a menor dificuldade.
Entre os animais descobertos no local há 21 dinossauros nunca antes vistos. Muitos deles são ceratopsídeos, ou dinossauros com chifres na cabeça, incluindo o Kosmoceratops richardsoni, com chifres múltiplos e ornatos, e o Nasutoceratops titusi (batizado em homenagem a Titus), herbívoro dotado de um crânio de dois metros de comprimento, focinho enorme e chifres voltados para frente.
Até quatro espécies de dinossauros chifrudos viveram nessa região 77 milhões de anos atrás, o dobro do número descoberto em outros sítios da mesma época na América do Norte, disse Scott Sampson, do museu de Denver.
Os hadrossaurídeos, ou dinossauros com bico de pato, também são comuns no Kaiparowitz, e duas espécies novas de tiranossauro foram encontradas no planalto: o Teratophoneus currei (“assassino monstruoso”), extinto há 75 milhões de anos, e o Lythronax argestes (“rei do sangue derramado”), há 81 milhões.
A área também permitiu a descoberta de seis espécies de crocodilos e 17 espécies de tartarugas. Uma tartaruga de 90 centímetros descoberta em 2014 morreu prenhe, com o corpo cheio de ovos.
Floresta pantanosa
Hoje, no planalto de Kaiparowitz, as plantas enviam suas raízes nove metros abaixo da superfície para sugar fosfato de cálcio de fósseis ainda soterrados. Nesse processo, às vezes destroem os fósseis. “Travamos uma batalha constante com as raízes”, disse Titus. “Elas encontram os ossos centenas de anos antes de nós.”
Setenta e cinco milhões de anos atrás, a região era uma floresta costeira pantanosa e quente no sul do continente-ilha antigo de Laramídia. “Era uma floresta extremamente diversificada, com alto nível de biomassa”, disse Ian Miller, curador de paleobotânica no museu de Denver.
Os paleontólogos retiram toneladas de materiais de Kaiparowits todos os anos para análise posterior (um único crânio de N. titusi descoberto no ano passado pesava 1.300 quilos).
Apenas em 2014, a equipe de Denver tirou do local, em helicópteros, toneladas de plantas antigas, madeiras, cipós e terra para examinar em laboratório.
Esses materiais todos sustentavam os dinossauros da região. O planalto de Kaiparowits é “o Shangri-La dos dinossauros”, disse Sertich. “Ele nos dá a oportunidade de responder a praticamente qualquer pergunta sobre a vida e a evolução dos dinossauros.”
Uma das perguntas mais intrigantes é: como o ecossistema conseguiu sustentar tantos dinossauros de grande porte?
Gigantes herbívoros
No Cretáceo Superior, o sul do Utah era habitado por nove espécies de animais que, quando adultos, pesavam mais que 900 quilos. Compare-se a África de hoje, habitada por apenas um punhado de animais desse porte.
“É uma massa terrestre pequena”, disse Sampson. “Como foi possível tantos gigantes viverem num território tão reduzido?”
A resposta pode estar nas folhas, especificamente as do gênero Cocculus. As folhas de Cocculus, com formato de coração, indicam a presença de um sistema denso de plantas trepadeiras no Cretáceo Superior.
“Para que tantos herbívoros maiores que um hipopótamo pudessem conviver em um espaço pequeno, foi preciso um ecossistema vegetal incrível”, disse Miller. “Isso é algo sem precedentes no Cretáceo.”
Os cientistas dizem que suas descobertas substanciam a teoria contenciosa do provincialismo dos dinossauros, segundo a qual os animais viviam em províncias latitudinais, ou bandas regionais, onde se diversificaram em espécies distintas, de acordo com os ambientes locais.
O registro geológico contém poucas evidências de uma barreira física que pudesse ter impedido migrações de dinossauros de norte a sul em Laramídia. Para alguns especialistas, é uma confirmação adicional de que os habitantes se adaptaram a um nicho ecológico estreito.
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Leia a matéria completaO grande número de espécies antigas descobertas em Kaiparowits “oferece fortes evidências de que as comunidades e espécies de dinossauros eram muito provinciais há 75 milhões de anos”, disse David Evans, paleontólogo junto ao Museu Real de Ontario.
A adaptação especializada pode ter acabado por criar um problema para esses animais, que talvez não se adaptassem facilmente a mudanças nas condições ambientais, de temperatura e de nível do mar, comuns nos últimos 10 milhões de anos do Cretáceo.
Isso pode explicar por que menos dinossauros de grande porte são encontrados no registro fóssil quando ele se aproxima da extinção em massa de cerca de 66 milhões de anos atrás.
No entanto, nem todos os pesquisadores estão convencidos disso.
Para Spencer Lucas, paleontólogo do Museu de História Natural & Ciência do Novo México, o provincialismo dos dinossauros muitas vezes reflete o enfoque de paleontólogos interessados em separar os dinossauros em espécies distintas.
Paleontólogos que trabalham no Kaiparowits esperam que suas descobertas também possam lançar luz sobre o maior dos mistérios relativos aos dinossauros: seu desaparecimento repentino.
A área, disse Evans, “é a única janela de alta resolução que nos permite olhar para o período de tempo que precedeu e chegou até a extinção dos dinossauros e a chegada da era dos mamíferos. Este é o único lugar onde podemos fazer um estudo detalhado das causas da extinção dos dinossauros.”
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