
"É difícil de acreditar que isso está derretendo as geleiras", diz Veerabhadran Ramanathan, um dos maiores cientistas do clima do mundo, enquanto percorre cabanas feitas de tijolo, cada uma contendo um forno de barro que libera fuligem na atmosfera.
Enquanto mulheres envoltas em sáris multicoloridos fabricam pão e cozinham lentilhas sobre o fogo alimentado com galhos e esterco, crianças tossem devido à densa fumaça que preenche as casas. Uma sujeira preta reveste o lado de dentro de tetos de palha e, no nascer do dia, uma nuvem negra se estica pela paisagem como um lençol escuro e diáfano.
Em Kohlua, na Índia central, sem carros e sem eletricidade, as emissões de dióxido de carbono, o principal gás detentor de calor relacionado ao aquecimento global, são quase nulas. No entanto, a fuligem conhecida também como carbono negro produzida por dezenas de milhares de vilas como esta, está emergindo como uma grande e antes minimizada fonte causadora do aquecimento climático global.
Apesar de o dióxido de carbono ser o contribuidor número um para o aumento das temperaturas no mundo, afirmam cientistas, o carbono negro emergiu como o número 2 em importância. Estudos recentes estimam que ele é responsável por 18% do aquecimento do planeta, em comparação aos 40% atribuídos ao dióxido de carbono. Diminuir as emissões de carbono negro poderia ser uma forma relativamente barata de frear significativamente o aquecimento global especialmente no curto prazo, sustentam especialistas em clima. Substituir fornos primitivos por versões mais modernas, capazes de emitir muito menos fuligem, poderia se tornar uma solução temporária bastante necessária, enquanto os países lidam com a tarefa mais difícil de iniciar programas e desenvolver tecnologias com o objetivo de restringir as emissões de dióxido de carbono a partir de combustíveis fósseis.
Na verdade, reduzir o carbono negro é apenas um de uma série de reparos climáticos, relativamente rápidos e simples, que requerem tecnologias existentes, para minimizar as consequências desastrosas já projetadas para o aquecimento global.
"Está claro para qualquer pessoa que se importa com as mudanças climáticas que isto terá um enorme impacto no ambiente global", disse Ramanathan, professor de ciências climáticas do Scripps Institute of Oceanography, atualmente desenvolvendo trabalhos com o Instituto de Energia e Recursos de Nova Délhi, num projeto para ajudar famílias pobres a adquirir novos fornos.
"Em termos de mudanças climáticas, estamos indo rapidamente em direção a um penhasco. Isso nos pouparia algum tempo", disse Ramanathan, que deixou a Índia há 40 anos, mas voltou ao seu país-natal por causa do projeto.
Efeito rápido
A melhor parte é que a diminuição da fuligem poderia ter um efeito bastante rápido. Ao contrário do dióxido de carbono, capaz de perdurar na atmosfera por anos, a fuligem permanece só por algumas semanas. Mudar para fornos que emitem pouca fuligem removeria rapidamente os efeitos de aquecimento do carbono negro.
Na Ásia e na África, fornos de cocção produzem grande parte do carbono, apesar de ele também emanar de motores a diesel e produtoras de carvão. Nos Estados Unidos e na Europa, as emissões de carbono negro já foram reduzidas significativamente por filtros e outras ferramentas.
Viagem ao redor da Terra
Como minúsculos absorvedores de calor, as partículas de fuligem aquecem o ar e derretem o gelo ao absorver o calor do sol quando se estabelecem nas geleiras. Um estudo recente calculou que o carbono negro pode ser responsável por cerca da metade do aquecimento do Ártico. Apesar de as partículas tenderem a se estabilizar com o tempo e não terem o alcance global dos gases do efeito estufa, elas se deslocam, descobriram os cientistas.
A fuligem originária da Índia foi encontrada nas Ilhas Maldivas e no platô tibetano; a partir dos Estados Unidos, ela viaja para o Ártico.
As implicações ambientais e geopolíticas das emissões de fuligem são enormes, já que as geleiras são a fonte da maioria dos grandes rios da Ásia. O resultado no curto prazo do derretimento glacial são inundações graves em comunidades montanhosas.
O número de inundações a partir de lagos glaciais também já está aumentando acentuadamente. Quando as geleiras encolherem, os grandes rios da Ásia vão ter seu fluxo diminuído ou secar durante parte do ano. Batalhas desesperadas por água certamente surgirão como consequência, numa região já cheia de conflitos.
Vilão da saúde
Médicos há muito tempo condenam o carbono negro por seus efeitos devastadores à saúde em países pobres. Nos Estados Unidos, uma lei apresentada pelo congresso no ano passado exige da Agência de Proteção Ambiental o direcionamento de ajuda a projetos para a redução do carbono negro no exterior, incluindo introduzir novos fornos em 20 milhões de lares. Eles custariam cerca de US$ 20 cada e usariam energia solar, ou outra mais eficiente. A fuligem seria reduzida em mais de 90%.
Mas é difícil imaginar que vilas rurais remotas, como Kohlua, possam ter um papel fundamental para lidar com a crise do aquecimento global. Não existem carros ali o jipe branco e antigo do chefe do vilarejo fica estacionado, na frente de sua casa, como uma peça de museu. Não existe água corrente e a energia elétrica é esporádica, responsável por alimentar apenas algumas lâmpadas.
Substituir centenas de milhares de fornos a fonte de calor, comida e água potável não seria uma questão simples. "Tenho certeza de que eles seriam lindos, mas teria que primeiro vê-los, experimentá-los", disse Chetram Jatrav, enquanto se agachava junto ao seu forno, fazendo chá e um pão chamado roti. Suas três crianças tossiam.
Ela gostaria de ter um forno "que fizesse menos fumaça e usasse menos combustível", mas não pode comprar um, disse ela, jogando no fogo o esterco comprado por uma rúpia. Ela havia acabado de comprar seu primeiro rolo de massa, assim o pão poderia sair "redondinho", como seus filhos tinham visto na escola. Igualmente importante, a chama aberta do forno dá sabor a alguns dos alimentos tradicionais. Pressionar os moradores das vilas a fazer roti num forno solar é quase como pedir a um italiano que cozinhe risoto no microondas.
Os pesquisadores iniciaram testes com fornos menos poluidores em vilas indianas, mas alguns aparelhos, por serem frágeis, quebraram.
E para lidar com o problema do carbono negro em larga escala, a aceitação dos novos fornos é crucial.
"Não vou chegar para os moradores e dizer que o CO2 está aumentando, e que em 50 anos poderemos ter enchentes", disse Ibrahim Rehman, colaborador de Ramanathan no Instituto de Energia e Recursos. "Vou falar com as mulheres sobre o risco para seus pulmões e o de seus filhos. E sei que isso também vai ajudar a conter as mudanças climáticas."