A convocação do Vaticano II foi uma surpresa para dom Clemente Isnard, bispo emérito de Nova Friburgo (RJ) e padre conciliar. "Parecia que o tempo dos concílios tinha acabado, e que o Vaticano I seria o último deles", explica. Mas o concílio realizado no século 19 tinha deixado assuntos a resolver, segundo o professor Carlo Pioppi, da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma. Em 1870, as tropas francesas que protegiam os Estados Pontifícios se retiraram por causa da Guerra Franco-Prussiana, deixando o caminho livre para os italianos liderados por Garibaldi, que consideravam Roma a capital da Itália unificada, mas não haviam conseguido entrar na cidade. Em 20 de setembro daquele ano, o exército italiano invadiu a Cidade Eterna. O Concílio Vaticano I estava em recesso, os bispos não puderam voltar para continuar os trabalhos, e Pio IX se declarou prisioneiro no Vaticano.

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"A interrupção impediu que o concílio tratasse de toda a doutrina sobre a Igreja. Só houve tempo de analisar os assuntos referentes ao Papa e à infalibilidade papal", diz Pioppi. Depois de 1870, várias circunstâncias impediram a continuação do Vaticano I. Até 1929, quando finalmente o governo italiano reconheceu a soberania da Igreja sobre o que é hoje a Cidade do Vaticano, o Papa simplesmente não podia chamar os bispos a Roma. "Pio X (1903-14) estava ocupado com o combate ao modernismo; Bento XV (1915-22) reinou durante a 1.ª Guerra Mundial; os anos 30 e 40 foram dominados pela crise que levou à 2.ª Guerra Mundial, e o pós-guerra revelou o marxismo como a maior ameaça à Igreja", afirma o professor de História Geral da Igreja Contemporânea. Segundo dom Jaime Coelho, arcebispo emérito de Maringá, Pio XII (1939-58) chegou a pensar em convocar um novo concílio e mandou consultas ao episcopado. Mas a idéia acabou virando realidade pelas mãos de João XXIII.

O professor Mário Betiato, do curso de Teologia da PUCPR, vai mais longe e afirma que o Concílio Vaticano II teria como missão resolver um problema do Concílio de Trento, no século 16. "Em águas turbulentas, a Igreja se fecha na concha para se proteger dos perigos. Foi o que fez na época da Reforma protestante, e perdeu a chance de dialogar. Quatro séculos depois, resolveu correr atrás do tempo perdido", argumenta. Para Pioppi, Trento resolveu de forma satisfatória as necessidades do catolicismo nos três séculos que o separam do Vaticano I – intervalo grande se comparado ao tempo decorrido entre os concílios anteriores. "O maior desafio para a Igreja no fim do século 19 era reorganizar suas forças em um mundo que havia se tornado hostil a ela", descreve o professor italiano.

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