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Em abril de 1982, eu fui designado correspondente de Beirute para o The Times. Antes de eu chegar, corriam boatos no Líbano acerca de uma revolta, em fevereiro, na cidade síria de Hama – famosa por suas rodas d’água no Rio Orontes. Segundo rumores, o presidente Hafez Assad [pai do atual presidente Bashar Assad], havia derrubado uma rebelião em Hama por meio de bombardeio das vizinhanças em que estava centrada a revolta, dinamitando prédios, alguns com residentes ainda dentro, e passando com rolos compressores por cima. Era difícil de acreditar e ainda mais difícil de verificar. Ninguém tinha celulares na época, e não era permitido o acesso da mídia estrangeira.

Naquele mês de maio eu consegui um visto para a Síria, logo após Hama ser reaberta. Então eu paguei um táxi em Damasco e fui para a cidade. Foi, e permanece sendo, uma das coisas mais atemorizantes que já vi: parecia que um tornado havia passado por vizinhanças inteiras, do tamanho de quatro campos de futebol, durante toda uma semana.

Foi um ato de brutalidade sem precedentes, um ajuste de contas entre o regime da minoria alauíta de Assad e a maioria sunita da Síria que havia ousado desafiá-lo. Eu contemplei o silêncio e dei-lhe um nome: "o Governo de Hama".

Essa é a luta hoje ao longo do mundo árabe – o novo Governo de Hama versus o antigo Governo de Hama – "Eu te farei ter medo" versus "Nós não temos mais medo".

Melhor para o povo. É difícil extrapolar o quanto esses regimes destruíram as vidas de uma geração árabe inteira com suas guerras tolas contra Israel e contra si mesmos e suas ideologias fraudulentas que mascaravam tomadas nuas de poder e comportamentos predatórios. Nada de bom era possível com esses líderes.

A grande pergunta hoje é, no entanto, a seguinte: É possível o progresso sem eles? Isto é, uma vez derrubados esses regimes, podem as diferentes comunidades árabes se reunirem como cidadãos e redigirem contratos sociais sobre como viverem juntos sem os punhos de ferro de ditadores?

Não é fácil. Esses ditadores não construíram uma sociedade civil, nenhuma instituição e nenhuma experiência democrática com a qual seu povo possa trabalhar. O Iraque demonstra como é teoricamente possível sair da tirania do antigo Governo de Hama para a política consensual – mas isso exigiu US$ 1 trilhão, milhares de perdas, um trabalho hercúleo de mediação por parte dos EUA e corajosa vontade de convivência política por parte dos iraquianos – e mesmo agora o resultado final é incerto. Os iraquianos sabem como fomos vitais nessa transição, e é por isso que muitos dentre nós não querem ir embora.

Agora o Iêmen, a Líbia, a Síria, o Egito e a Tunísia todos irão tentar transições semelhantes – de uma vez só – mas sem a mediação de um árbitro neutro. É algo sem precedentes para essa região, e nós já podemos ver o quão difícil isso será. Eu ainda acredito que o impulso democrático por parte de todos esses povos árabes de depor seus ditadores é heroico e enormemente positivo. Eles irão expulsar a todos eles no final. Mas a nova aurora demorará a aparecer.

Tradução: Adriano Scandolara

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