Em menos de um mês, os protestos populares ocorridos na Tunísia e Egito foram responsáveis pela renúncia de dois presidentes que se mantinham há cerca de 30 anos no poder. Para os especialistas, este é o retrato de um mundo árabe em desconstrução. A queda de Hosni Mubarak (ex-presidente do Egito) e a transferência de poder aos militares mesmo que transitoriamente não são apenas o reflexo do clamor popular egípcio; por trás do desenrolar dos acontecimentos, pode-se perceber nitidamente a ação norte-americana.
De acordo com Alexandre Uehara, coordenador do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo, a própria atitude do Exército olhando agora em retrospecto foi pensada estrategicamente para não atrair a antipatia da população. "Tanto que nesse momento, o Exército pôde assumir temporariamente o governo e realizar essa transição com um certo apoio da população, graças ao fato de não ter havido nenhuma ação violenta do Exército contra a população", avalia. Caso houvesse ocorrido ações violentas, como houve com a polícia, também o Exército seria contestado. Uma situação que tornaria possível que grupos mais extremistas os quais os norte-americanos não queriam que ascendessem ao poder, chegassem de fato ao governo.
"Nesse caso, foi sem dúvida uma negociação muito cautelosa e os Estados Unidos tomaram todas as precauções para que a transição se realize conforme os interesses norte-americanos", revela Uehara.
Para Uehara, o temor americano é de que em meio ao caos político instaurado facções mais radicais ou de orientação religiosa, como a Irmandade Muçulmana, se instalem no poder.
Uma posição partilhada também por Heni Ozi Cukier, cientista político, professor de Relações internacionais da Faculdade Santa Marcelina (Fasm), em São Paulo, e mestre em Conflitos Internacionais. Para Cukier, o momento ainda é de instabilidade, já que não se sabe ao certo de que forma será realizada, de fato, essa transição. "Se você tiver um grupo mais extremista, como a Irmandade Muçulmana, tomando o poder no Egito, haverá uma transformação total na geopolítica da região e nas relações com todo o mundo e, consequentemente, com os EUA", alerta.
Segundo Cukier, a continuidade da influência norte-americana sobre o Oriente Médio depende de como será feita a transição. "Se isso acontecer de forma democrática, com base na vontade popular, com respeito à imprensa livre e à construção de instituições democráticas, todo o mundo inclusive o Ocidente só tem a se beneficiar", afirma.
Evolução
Andrew Traumman, professor de Relações Internacionais do UniCuritiba, apesar de não subestimar a autonomia dos povos árabes, acredita que os levantes do modo como ocorreram podem, sim, interferir na capacidade das potências ocidentais de manterem seu grau de influência na região. "Até porque não podemos considerar o mundo árabe um monolito ou algo homogêneo. Na região, existem países de maioria árabe, outros de maioria persa [como o Irã] e até indo-afegãos e paquistaneses [na Ásia Central]", observa.
Numa relação histórica, vale destacar que o que aconteceu na Tunísia e no Egito apesar da interferência norte-americana foi resultado de movimentos espontâneos, que nasceram no seio das populações. "Sem ser aquilo que os EUA fizeram no Iraque, impondo a democracia por meio de armas, o que já é uma contradição em si."
Os episódios recentes mostram que, apesar da forte influência que os países ocidentais mantêm na região do norte da África e também no Oriente Médio, as grandes potências econômicas como os Estados Unidos estão aprendendo que as nações menos desenvolvidas até podem ser manipuláveis, mas não da forma como sempre fizeram até então. Uma mudança pequena, mas significativa no que se refere à busca pelo equilíbrio das forças geopolíticas internacionais.
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