Presidente dos EUA Barack Obama e o então presidente egípcio Hosni Mubarak em encontro realizado no Cairo em 2009| Foto: Mandel Ngan/AFP

Em menos de um mês, os protestos populares ocorridos na Tu­­nísia e Egito foram responsáveis pela renúncia de dois presidentes que se mantinham há cerca de 30 anos no poder. Para os especialistas, este é o retrato de um mundo árabe em desconstrução. A queda de Hosni Mubarak (ex-presidente do Egito) e a transferência de poder aos militares – mesmo que transitoriamente – não são apenas o reflexo do clamor popular egípcio; por trás do desenrolar dos acontecimentos, pode-se perceber nitidamente a ação norte-americana.

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De acordo com Alexandre Ue­­hara, coordenador do curso de Relações Internacionais das Fa­­cul­­dades Integradas Rio Branco, de São Paulo, a própria atitude do Exército – olhando agora em retrospecto– foi pensada estrategicamente para não atrair a antipatia da po­­­pulação. "Tanto que nesse mo­­mento, o Exército pôde assumir temporariamente o governo e realizar essa transição com um certo apoio da população, graças ao fato de não ter havido nenhuma ação violenta do Exército contra a população", avalia. Caso houvesse ocorrido ações violentas, como houve com a polícia, também o Exército seria contestado. Uma situação que tornaria possível que grupos mais extremistas – os quais os norte-americanos não queriam que ascendessem ao poder, chegassem de fato ao governo.

"Nesse caso, foi sem dúvida uma negociação muito cautelosa e os Estados Unidos tomaram to­­das as precauções para que a transição se realize conforme os interesses norte-americanos", revela Ueha­­ra.

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Para Uehara, o temor americano é de que – em meio ao caos político instaurado – facções mais radicais ou de orientação religiosa, como a Irmandade Mu­­çulmana, se instalem no po­­der.

Uma posição partilhada também por Heni Ozi Cukier, cientista político, professor de Relações internacionais da Faculdade San­­ta Marcelina (Fasm), em São Paulo, e mestre em Conflitos Internacionais. Para Cukier, o momento ainda é de instabilidade, já que não se sabe ao certo de que forma será realizada, de fato, essa transição. "Se você tiver um grupo mais extremista, como a Irmandade Muçul­­mana, tomando o poder no Egito, haverá uma transformação total na geopolítica da região e nas relações com todo o mundo e, consequentemente, com os EUA", alerta.

Segundo Cukier, a continuidade da influência norte-americana sobre o Oriente Médio depende de co­­mo será feita a transição. "Se isso acontecer de forma democrática, com base na vontade popular, com respeito à imprensa livre e à construção de instituições democráticas, todo o mundo – inclusive o Ocidente – só tem a se beneficiar", afirma.

Evolução

Andrew Traumman, professor de Relações Internacionais do Uni­­Curitiba, apesar de não subestimar a autonomia dos povos árabes, acredita que os levantes – do modo como ocorreram – po­­dem, sim, interferir na capacidade das potências ocidentais de manterem seu grau de influência na região. "Até porque não podemos considerar o mundo árabe um monolito ou algo homogêneo. Na região, existem países de maioria árabe, outros de maioria persa [como o Irã] e até indo-afegãos e paquistaneses [na Ásia Central]", observa.

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Numa relação histórica, vale destacar que o que aconteceu na Tunísia e no Egito – apesar da interferência norte-americana – foi resultado de mo­­vimentos espontâneos, que nasceram no seio das populações. "Sem ser aquilo que os EUA fizeram no Iraque, impondo a democracia por meio de armas, o que já é uma contradição em si."

Os episódios recentes mostram que, apesar da forte influência que os países ocidentais mantêm na região do norte da África e também no Oriente Médio, as grandes potências econômicas – como os Estados Unidos – estão aprendendo que as nações menos desenvolvidas até podem ser manipuláveis, mas não da forma como sempre fizeram até então. Uma mudança pequena, mas significativa no que se refere à busca pelo equilíbrio das forças geopolíticas internacionais.