Egípcios em Curitiba apostam na transição democrática
Enquanto o Egito se convulsiona diante dos protestos e manifestações que exigem a saída do presidente Hosni Mubarak do poder, dois egípcios naturalizados brasileiros olham com apreensão e esperança para o desdobramento dos movimentos populares em sua terra natal. Samy Aziz e Yasser Mohamed moram agora em Curitiba, mas nem por isso deixam de acompanhar, ansiosos, os acontecimentos que desenham este inédito momento político na história egípcia
O presidente dos EUA, Barack Obama, pediu nesta sexta-feira (4) ao presidente do Egito, Hosni Mubarak, que "preste atenção" nos apelos de manifestantes por uma transição ordeira e disse que o Egito não pode mais voltar aos "velhos tempos".
Obama insistiu em que a transição política no país em crise deve começar agora, mas que os detalhes do processo devem ser definidos pelos egípcios. Ele não falou explicitamente em renúncia.
"O futuro do Egito será determinado por seu povo", disse, em entrevista ao lado do premiê do Canadá, Stephen Harper.
Pouco antes, a Casa Branca afirmou que o governo do Egito precisa dar "passos concretos" em direção a uma transição ordeira de poder. Sem isso, segundo o governo dos EUA, os conflitos vão persistir no país, em crise política há 11 dias.
O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, convocou Mubarak e seu governo a sentar-se com uma ampla coalizão da oposição e grupos da sociedade civil excluídos do poder no Egito para discutir um novo acordo político.
Gibbs deu a entender que o único caminho para acabar com a crise seria a renúncia de Mubarak rapidamente, seguindo informações de que Washington estaria tentando promover a saída do líder egípcio do poder.
O secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, voltou a falar com seu colega egípcio, Mohamed Hussein Tantaoui, sobre a crise, segundo o Pentágono.
E crescem os rumores, iniciados pelo "New York Times", de que os EUA estariam negociando, inclusive com o Exército egípcio, uma "saída honrosa" para o presidenet egípcio, Hosni Mubarak, pressionado pela oposição.
Líderes da União Europeia também insistiram na necessidade da transição imediata durante reunião de cúpula em Bruxelas.
Mas o recém-nomeado premiê do Egito, Ahmed Shafiq, disse que é "improvável" que o contestado Mubarak transfira seus poderes imediatamente para seu vice, Omar Suleiman. "Precisamos do presidente por razões legislativas", disse ele em entrevista à TV Al Arabiya.
Mubarak nomeou Suleiman como vice-presidente após a pressão de manifestantes, preenchendo o cargo que estava vago desde que assumiu a presidência, em 1981.
'Dia da saída'
Dezenas de milhares de egípicios oraram na Praça Tahrir, no centro do Cairo, nesta sexta, pedindo a saída imediata de Mubarak, no que a oposição chamou do "Dia da Saída".
Os oposicionistas pressionam para que o presidente deixe o poder ainda nesta sexta, depois de quase 30 anos no governo.
"Hoje é o último dia!", gritavam os manifestantes, enquanto alto-falantes tocavam música pop árabe, e helicópteros militares sobrevoavam o local. Soldados mantinham a ordem sem intervir, e havia ambulâncias de prontidão.
Em inglês - para atender à audiência televisiva global - um cartaz declarava: 'Game over' (fim de jogo).
A oposição pediu que todos fossem às ruas, apesar dos confrontos dos dois dias anteriores -que deixaram 11 mortos, segundo o ministro da Saúde, Ahmed Sameh Farid.
Era uma nova tentativa de, como na terça-feira, levar um milhão de pessoas às ruas do país. Eles querem marchar até o palácio presidencial para pedir a saída de Mubarak.
"É um movimento egípcio. Todo mundo participou, tanto muçulmanos como cristãos, para exigir os direitos que lhes roubaram", disse o imã que liderou a oração, identificado como Khaled al Marakbi pelos fiéis reunidos nessa praça central, onde estão atrincherados há 11 dias os opositores do presidente Hosni Mubarak.
O imã chorou ao se lembrar dos mortos. Tão logo acabou a cerimônia, as pessoas começaram a gritar "vá embora, vá embora já" para pedir a renúncia do presidente, de 82 anos, que perdura há 30 anos no poder.
A situação na praça era calma, mas a rede de TV CNN relatava confrontos em locais afastados.
A TV Al Jazeera informou que o jornalista Ahmed Mahmoud, que foi baleado em 29 de janeiro, morreu vítima dos ferimentos.
'Estou farto', diz Mubarak
Nesta quinta-feira (3), o presidente do Egito afirmou que quer deixar o governo, mas teme o "caos" caso ele saia agora. A declaração foi feita à jornalista Christiane Amanpour, da TV americana ABC.
"Estou farto. Depois de 62 anos no serviço público, já foi o bastante. Quero sair", disse ele, que enfrenta o décimo dia de crescentes e violentos protestos da oposição. "Não importa o que pensem de mim", disse na entrevista, que durou 20 minutos. "O que importa é o meu país, é o Egito."
Ele negou que seu governo seja o responsável pela violência na Praça Tahrir, iniciada na véspera e que deixou pelo menos seis mortos, e responsabilizou os oposicionistas da Irmandade Muçulmana pelos confrontos.
A entrevista ocorreu no palácio presidencial do Cairo, que está sob forte vigilância, com o filho de Mubarak, Gamal, sentado ao lado do presidente, informou a ABC.
Vice
O vice-presidente Suleiman foi na mesma linha em entrevista na TV, ao dizer que a saída imediata de Mubarak, exigida pelo movimento oposicionista, é um "apelo ao caos".
Suleiman - que assumiu o cargo na semana passada, em uma tentativa de conciliação do presidente com a oposição - garantiu que nem ele, nem o presidente Mubarak, nem o filho de Mubarak, Gamal, vão concorrer às eleições presidenciais previstas para setembro.
A oposição teme que Mubarak, que insiste em permanecer no poder até as eleições, esteja tentando ganhar tempo e "emplacar" o filho como sucessor.
Desde o início dos protestos, que já duram dez dias, pelo menos 100 pessoas morreram, mas, segundo a ONU, esse número pode chegar a 300. De acordo com a TV Al Jazeera, o número de feridos teria passado de 1.500.
Não há cifras oficiais, e os números são frequentemente contraditórios.
Os antigovernistas afirmaram na quinta que detiveram e identificaram 120 manifestantes pró-Mubarak, e que eles seriam, em sua maioria, ligados às forças de segurança e ao partido governista.
Na véspera, o Ministério do Interior havia negado que o governo tenha instigado os protestos.
Mubarak, que está há 30 anos no poder, afirmou na noite de terça em discurso na TV que, nos meses que restam de seu quinto mandato à frente do pais, vai ajudar a cumprir as exigências da coalizão de forças oposicionistas que o desafia -inclusive, fazer reformas do judiciário que ajudem a combater a corrupção.
Ele disse que o país atravessava um "momento difícil", que a prioridade era a "estabilidade da nação" e prometeu dialogar com todas as forças da oposição -que insiste em sua saída.
Musa
O chefe da Liga Árabe, Amr Musa, foi nesta sexta à praça Tahrir, informou seu gabinete, como um gesto de "apaziguamento".
O ex-chanceler egícpio, muito popular em seu país, admitiu em declarações à rádio francesa Europe 1 que está avaliando a possibilidade de suceder Mubarak, apesar de acreditar que o chefe de Estado egípcio permanecerá no cargo até terminar seu mandato, no final de agosto.
Levantes em outros países
O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, anunciou que vai levantar o estado de emergência que vigora há 19 anos, aumentando as liberdades políticas. Ele também prometeu investir na criação de empregos.
Na quarta, o presidente de Iêmen, no poder há 32 anos, cedeu a protestos da oposição e disse que não vai tentar a reeleição. Nesta quinta, protestos favoráveis e contrários ao governo tomavam as ruas da capital, Sanaa.
No Cazaquistão, o presidente Nursultan Nazarbaiev convocou nesta sexta-feira (4) um decreto que convoca eleições presidenciais antecipadas para 3 de abril, poucos dias depois de ter descartado uma prorrogação por plebiscito de seu mandato.
Nazarbaiev, de 70 anos, anunciou na segunda-feira que convocaria eleições antecipadas, ao mesmo tempo que rejeitou um referendo para prolongar até 2020 seu mandato, como desejava o Parlamento.
Os protestos em Egito e Jordânia -assim como Marrocos, Iêmen, Síria e outros países muçulmanos- foram inspirados pelo levante popular que derrubou o presidente da Tunísia, Zine El Abidine Ben Ali, que caiu pela pressão popular após 23 anos no poder.
País chave
O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é importante aliado do Ocidente na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos.
Além disso, é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz con Israel.
O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime ao estilo iraniano, caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado".
O turismo é uma das maiores fontes de receita do exterior no Egito, sendo responsável por mais de 11% do PIB e fonte de empregos, em um país com alto índice de desemprego. Cerca de 12,5 milhões de turistas visitaram o Egito em 2009, proporcionando receita de US$ 10,8 bilhões.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou "escandalosa e completamente inaceitável" a repressão contra os meios de comunicação e defensores dos direitos humanos, em declarações feitas nesta quinta-feira em Berlim.
'Campanha contra a imprensa'
O Departamento de Estado dos EUA denunciou nesta quinta o que seria uma campanha organizada contra os meios de comunicação estrangeiros que cobrem a rebelião popular contra Mubarak.
"Assistimos a uma campanha organizada a fim de intimidar os jornalistas estrangeiros no Cairo e perturbar seu trabalho de reportagem", afirmou o porta-voz da diplomacia americana, Philip Crowley, em seu Twitter.
O grupo Repórteres Sem Fronteiras também condenou a intimidação.
Jornalistas de vários países -inclusive do Brasil- foram alvo de graves ataques e intimidações por parte de partidários do presidente Mubarak, que os acusa de tentar desestabilizar o regime.
ONU pede investigação
A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, pediu às autoridades egípcias que efetuem investigações "transparentes e imparciais" sobre a violência recente no Egito, onde segundo ela "uma mudança está em curso, como aconteceu na Tunísia".
"Os governos devem escutar suas populações e colocar em prática suas obrigações sobre direitos humanos", disse.
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