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A imagem mostra um dos eventos estudados sobreposta a uma visão do Lab IceCube ( ICL ) no Polo Sul e de neutrinos mais alto de energia | Erik Beiser/IceCube Collaboration
A imagem mostra um dos eventos estudados sobreposta a uma visão do Lab IceCube ( ICL ) no Polo Sul e de neutrinos mais alto de energia| Foto: Erik Beiser/IceCube Collaboration

Novos dados acumulados pelo Observatório de Neutrinos IceCube, na Antártica, confirmaram a existência de versões superenergéticas destas fugidias partículas subatômicas emitidas por fontes dentro e fora da nossa galáxia, a Via Láctea. Chamados coletivamente de neutrinos cósmicos, eles são produzidos por alguns dos mais poderosos fenômenos astrofísicos conhecidos, como buracos negros, explosões de supernovas e pulsares, e a detecção de 21 deles nos últimos anos abre caminho para um novo ramo na astronomia para o estudo destes objetos e seu papel na evolução do Universo.

Com uma massa ínfima e sem carga elétrica, os neutrinos praticamente não interagem com a matéria comum. Assim, apesar de serem gerados em enormes quantidades pelos mais variados processos físicos, desde a fusão nuclear que alimenta o Sol aos raios que cortam a atmosfera terrestre, a cada segundo trilhões deles atravessam nossos corpos e o próprio planeta sem deixar rastros de sua passagem. Ocasionalmente, no entanto, uns poucos neutrinos se chocam com outras partículas subatômicas, e é tirando proveito destas raras oportunidades que o IceCube os detecta.

Instalado na Antártica desde 2010, o observatório, o maior do tipo no mundo, é composto por 86 cabos com 5.160 sensores óticos do tamanho de bolas de basquete enterrados entre 1.450 e 2.450 metros de profundidade em um bloco de gelo com um volume de um quilômetro cúbico, além de outros 324 sensores em tanques na superfície do Polo Sul. Com esta configuração, o IceCube consegue ver os tênues e fantasmagóricos flashes de luz azul produzidos quando um neutrino por acaso colide com partículas de uma molécula de água do gelo, gerando uma cascata de partículas carregadas em um fenômeno conhecido como Radiação de Cherenkov.

Mas detectar neutrinos é apenas o primeiro passo na busca pelas suas versões superenergéticas, já que estas partículas existem em pelos menos três diferentes “sabores” (chamados neutrinos do elétron, neutrinos do múon e neutrinos do tau) com variados níveis de energia dependendo do fenômeno que os produziu. Tanto que dos mais de 35 mil neutrinos registrados pelo IceCube entre maio de 2010 e maio de 2012, apenas 28 tinham uma assinatura energética indicativa de serem provenientes de fontes de fora do Sistema Solar, ou seja, neutrinos cósmicos. Dois deles inclusive, apelidados “Ernie” e “Bert” (personagens do programa infantil de TV “Vila Sésamo” conhecidos no Brasil como Ênio e Beto), tinham tamanha energia que os cientistas ainda não sabem que processo astrofísico poderia tê-los produzido.

Assim, neste novo estudo, os cientistas do IceCube – uma colaboração internacional de instituições dos EUA, Alemanha, Suécia, Bélgica, Suíça, Japão, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, Coreia do Sul e Dinamarca – se focaram em neutrinos cujos cálculos de trajetória indicavam estarem vindo do céu no Hemisfério Norte, usando a própria Terra como “filtro” para diminuir o “ruído” produzido por fontes de versões menos energéticas destas partículas, assim como por outras mais “interativas” do que eles.

“Procurar por neutrinos do múon que atingem o detector atravessando a Terra é a maneira que o IceCube deve fazer a astronomia de neutrinos, e foi isso que ele nos entregou”, comemora Francis Halzen, professor de física da Universidade de Wisconsin em Madison, EUA, e cientista-chefe da colaboração, que publicou artigo que relata as novas detecções nesta quinta-feira no periódico científico “Physical Review Letters”. “Isto é o mais próximo que vamos chegar de uma confirmação independente com um único instrumento”.

Segundo os pesquisadores, os níveis de energia exibidos pelos neutrinos vindos do céu no Hemisfério Norte são similares aos observados dos neutrinos superenergéticos detectados do Hemisfério Sul, o que sugere que muitas de suas fontes estão mesmo além da Via Láctea. Isso porque se um número significativo destas fontes estivesse dentro da nossa galáxia, o IceCube teria detectado uma grande quantidade de neutrinos de alta energia emanando do plano da Via Láctea, região onde boa parte delas estaria.

“O plano da galáxia é onde estão as estrelas, é onde os raios cósmicos são acelerados, então seria de onde esperaríamos ver mais fontes”, explica Albrecht Karle, também professor de física da Universidade de Wisconsin em Madison e autor sênior do artigo no “Physical Review Letters”. “Os neutrinos de mais alta energia que observamos, porém, vêm de direções distribuídas ao acaso, numa sólida confirmação de que a descoberta de neutrinos cósmicos de além da nossa galáxia é real”.

Mas apesar de os traços de luz deixados pela Radiação de Cherenkov permitirem apontar a região do céu de onde os neutrinos superenergéticos vieram com uma precisão razoável, de menos de um grau, o IceCube ainda não detectou um número significativo deles sendo emitidos por uma única fonte. Assim, aumentar a sensibilidade dos sensores e instrumentos, o volume de detecções e os métodos para analisá-las serão fundamentais para de fato transformar a chamada astronomia de neutrinos, trazendo informações que podem percorrer milhões de anos-luz e atravessar estrelas, planetas e nuvens de poeira e gás sem sofrerem alterações, em uma realidade.

“Estes neutrinos podem melhorar nossa compreensão sobre alguns do mais poderosos processos do Universo”, destaca Karle. “Eles podem nos contar sobre propriedades fundamentais da física de partículas e a origem e natureza da matéria escura”.

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