A reivindicação iraniana para mudanças num acordo sobre combustíveis nucleares é inaceitável para o Ocidente, porque nessa nova versão o Irã poderia manter urânio enriquecido em quantidades suficientes para o uso em uma bomba nuclear, disse nesta quarta-feira o diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, um órgão da ONU).
Em uma rara entrevista, Mohamed ElBaradei disse à Reuters que os inspetores da ONU não têm provas de que o Irã teria instalações nucleares ainda secretas, mas que o país enfrenta uma nova onda de desconfiança porque a recém-revelada usina de enriquecimento de Fordow faz pouco sentido tanto para fins civis quanto para fins militares.
Falando a cinco dias de deixar o cargo que ocupou por 12 anos, ElBaradei insistiu para que o Ocidente aguarde uma posição viável de Teerã a respeito do acordo sobre o combustível nuclear, já que o programa nuclear iraniano não representa uma ameaça iminente.
O Ocidente acusa o Irã de tentar desenvolver armas nucleares, embora Teerã alegue que seu objetivo é apenas gerar energia para fins civis.
ElBaradei disse que a adoção de novas sanções contra o Irã, conforme sugeriram potências ocidentais na semana passada, seria contraproducente. Na opinião dele, as resoluções da ONU contra Teerã são principalmente "expressões de frustração."
Para impedir o Irã de se aproximar da capacidade de produzir bombas atômicas, e para dar mais tempo às negociações para um acordo definitivo, o egípcio ElBaradei apresentou em outubro um plano pelo qual o Irã enviaria para a Rússia e a França 75 por cento do seu estoque de urânio baixamente enriquecido. Esse material seria então convertido em um combustível especial para um reator de pesquisas médicas.
Mas o Irã rejeitou a proposta, insistindo em receber o combustível especial antes de enviar o urânio baixamente enriquecido para o exterior. O Ocidente teme que, com isso, o Irã manteria combustível nuclear suficiente para desenvolver armas.
"(Os iranianos) estão preparados para colocar material sob controle da AIEA em uma ilha (iraniana) no golfo Pérsico. Mas a ideia, conforme expliquei a eles (...), é tirar o material do Irã", disse ElBaradei. "Não acho que (a contraproposta iraniana) irá funcionar no que diz respeito ao Ocidente."
ElBaradei elogiou a decisão do presidente dos EUA, Barack Obama, de esperar concessões do Irã até o fim do ano para, só então, cogitar novas sanções. Afirmou, no entanto, que mais punições ao país podem acabar fortalecendo os radicais do programa nuclear iraniano.
À espera de esclarecimentos
O diretor da AIEA disse que o Irã tem de esclarecer a cronologia da construção da sua recém-revelada usina de Fordow, bem com o seu propósito. Um relatório da AIEA neste mês disse que a revelação tardia dessa instalação "reduziu o nível de confiança" quanto à ausência de outras atividades clandestinas.
"Não temos indicações de que existam outras instalações não declaradas no Irã. Quero deixar isso muito claro. (Mas) não se pode realmente usá-la para propósitos civis. É pequena demais para produzir combustível para um reator civil. Levaria muito tempo. Mesmo para propósitos militares é pequena demais para produzir a quantidade de material necessário (para uma bomba)," disse ElBaradei.
Especialistas dizem que, com apenas 3.000 centrífugas, uma usina levaria quase 90 anos para gerar urânio baixamente enriquecido em quantidades suficientes para alimentar uma usina nuclear comercial durante um ano, e entre um e quatro anos para produzir material físsil para uma bomba.
Alguns estudos avaliam que essa instalação só faria sentido se fosse parte de uma rede clandestina de usinas. ElBaradei disse que "são questões válidas" a serem investigadas pelos inspetores da agência.
O Irã revelou a existência de Fordow em setembro, ao menos dois anos depois do início da sua construção. A AIEA diz que deveria ter sido informada ainda na fase de projeto, algo de que Teerã discorda.
"Isso se soma ao déficit de confiança. Enquanto continuarmos nesse ambiente de tensão, não avançaremos uma só polegada na direção de uma solução", afirmou.
"Mas as pessoas deveriam parar de ameaçar o uso da força, porque isso simplesmente (...) cria uma justificativa ou pretexto para que os países digam: 'Bem, temos de ficar clandestinos, porque estamos sendo ameaçados'."