O padre Nasri, com a filha Sara, a esposa Rabab e o filho Sameer: em busca de segurança.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

“Vi muitos meninos, ao vivo, sem cabeça, sem corpo.” Com essa frase, o padre da Igreja Católica Ortodoxa Antioquina, Samaan Nasri, 40 anos, comenta a morte do menino sírio Aylan Kurdi, encontrado em uma praia turca na última semana, e reflete sobre as vítimas do Estado Islâmico (Daesh, em árabe). Nasri é sírio e fugiu do terror imposto pelos radicais aos cristãos e muçulmanos que não quiseram seguir as ordens dos extremistas.

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O padre acredita que, para evitar que milhares de meninos morram como seus vizinhos na cidade da Tabqa, na região Central da Síria, a 150 km de Aleppo (segunda maior cidade do país), só há uma saída atualmente: fugir da Síria.

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Nasri, que tem dois filhos adolescentes, veio para o Brasil com a mulher, após percorrer cidades sírias e libanesas. O caminho dele foi diferente dos refugiados que o mundo tem visto pela imprensa, que se arriscam no mar até a Grécia ou Turquia, mas sua história coincide com o sofrimento de todos os sírios. “Eu perdi tudo. Fiquei lá sete meses tentando começar uma vida nova, mas aquela região da Síria estava muito perigosa”, conta, ao receber a reportagem na igreja do Bigorrilho, onde é pároco.

Em busca de segurança para esposa e filhos, chegou a São Paulo no dia 29 de outubro de 2013, mas não consegue esquecer o que passou na sua cidade. “A minha igreja em Tabqa foi a primeira que o Estado Islâmico destruiu. Destruíram todas as cruzes como um sinal de que não queriam cristãos lá. Mataram primeiro quatro dos meus paroquianos e assaltaram todas as casas dos cristãos”, conta.

A decisão de deixar o país não foi fácil. Como padre, se sentia responsável pelos paroquianos. Mas sem poder nem sequer fazer o sinal da cruz, foi o último cristão a deixar a cidade. Nasri esperou todos os cristãos irem embora para, após um convite do arcebispo de sua igreja, rumar para o Brasil.

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“Não podia sair antes dos meus paroquianos. Fiquei com a minha família por último, mas depois assaltaram minha casa. Não tinha lugar para viver. Fiquei meses sem água, eletricidade, com um só tipo de comida. Isso não tem problema. Poderia continuar, mas quando não tem segurança, tem que ir”, comenta. Outros grupos radicais haviam passado pela cidade, mas a chegada do Estado Islâmico agravou ainda mais a situação.

Família espalhada

A mãe de Nasri e dois irmãos dele já deixaram a Síria pelo mar. Fizeram o trajeto via Turquia e Grécia. Entraram na Europa e se instalaram na Suíça e na Alemanha. Mas a distância gera sofrimento. “Está difícil sabe, mas graças a Deus que meus paroquianos são como minha família. Eles me cuidaram, estão fazendo visitas, convidam para visitar. A comunicação com família é mais fácil com a internet”, afirma. Agora, pelo menos, pode vê-los pelo computador. “Na Síria, não podia ver minha família. Encontrei com a minha mãe no Líbano”.

Antes de encerrar a entrevista, Nasri faz um alerta.

Para ele, os radicais que ocuparam seu país não podem ser considerados muçulmanos.

“Os cristãos viveram com muçulmanos 1.400 anos sem problemas”. Ele ainda ressalta que não se trata de uma guerra civil, pois não são sírios contra sírios. “Se é guerra civil, por que estrangeiros entram?”, questiona, ao destacar que os integrantes do Estado Islâmico são pagos em dólares e há radicais oriundos de mais de vinte países instalados na Síria.

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