Entenda a crise na Ucrânia
Agência Brasil
Os conflitos na Ucrânia que ocupam os noticiários recentemente são o resultado de uma divisão interna histórica no país acirrada pelo abandono de um acordo de associação à União Europeia (UE) e de manutenção das tradicionais relações com a Rússia. A desistência do governo em se aliar à UE levou milhares de pessoas às ruas. As manifestações foram reprimidas pelo Estado com violência e o númeo de mortos aumenta a cada dia.
"Quando se decidiu abandonar essa opção [acordo de associação com a UE] e as pessoas foram às ruas, a reação do governo foi a pior possível, como geralmente acontece nos países dessa região. Com tradição autoritária, baixou Exército e polícia. Quando há franco-atiradores matando civis, isso é um ambiente de descontrole total", explicou o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Christian Lohbauer.
Para o ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (MRE) embaixador Marcos Azambuja, a crise ucraniana não deve ser resolvida num curto prazo. "A capital está dividida. Esse tipo de mobilização a longo prazo provoca crise. Não se pode ter pessoas armadas por meses sem que haja descontrole e violência como houve nesta semana. Isso torna a conciliação não impossível, mas muito difícil. É uma crise de longo prazo, não vejo luz no fim do túnel. O importante é que não haja uma guerra civil ou uma partilha do Estado em dois", explicou.
De acordo com o embaixador, também vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a origem dos conflitos na Ucrânia remonta a Guerra Fria, que vigorou da década de 1950 até o fim da União Soviética, no começo dos anos de 1990.
Como legado do fim da Guerra Fria, estabeleceu-se uma Ucrânia dividida: uma ocidentalizada, com tendências europeizantes que, atualmente, é representada pelos manifestantes que pedem a associação do país à União Europeia; outra, com forte ligações com a Rússia, representada por parte da população que mantém costumes russos e pelo atual governo do presidente Viktor Ianukóvich. Cerca de 20% da população da Ucrânia é russa étnica e culturalmente.
"O fim do império soviético foi abrupto. Certas partes se desligaram dele, inclusive, as mais importantes; hoje, Ucrânia e Bielorússia. A Ucrânia, a rigor, não é um país homogêneo, mas uma entidade demográfica e socioeconômica", explicou Azambuja.
Para ele, a oferta da União Europeia para que a Ucrânia fizesse parte do bloco foi uma alternativa política e econômica à dependência do regime do presidente russo, Vladimir Putin. Por meio da associação à UE, que busca ampliação, a Ucrânia - não como membro pleno, mas associado - teria acesso a acordos comerciais preferenciais com a Europa e empréstimos facilitados. Ainda que haja abundância de recursos naturais - como o petróleo e o gás -, a Ucrânia não tem uma economia diversificada e se mantém por meio de produtos primários, o que acaba por gerar um crônico desequilíbrio de balança comercial.
Apesar do apelo à união com o bloco europeu, o contexto atual é de enfraquecimento da Europa, que não se recuperou completamente da crise, e o fortalecimento da Rússia, mais autoconfiante, que pretende estabelecer uma união aduaneira em sua vizinhança.
Além disso, um dos principais pontos para entender o conflito é a relação entre a Rússia e a União Europeia, que depende do fornecimento de energia russo. "A Rússia é a maior fornecedora de energia da UE, por isso [o presidente] Putin joga, ele não teria condição de enfrentar a Europa se não fosse pela chantagem da política energética. O que o bloco europeu poderia fazer agora é peitar a Rússia, mas não pode fazer porque o Putin pode decidir que a Europa fica sem energia", disse o professor da USP Christian Lohbauer.
Segundo o embaixador Marcos Azambuja, a Ucrânia é um país de grande importância agrícola e o potencial de abastecimento que oferece seria benéfico tanto para a UE quanto para a Rússia, que tem a vantagem de já ter a integração de infraestrutura necessária estradas, ferrovias, gasodutos e sistemas de comunicação.
Para Azambuja, a única opção para dar fim à crise é a negociação, inclusive com a mediação de outros países. O professor da USP, por outro lado, acredita que a crise poderia ser amenizada se, por pressão internacional, o governo da Ucrânia optasse por interromper o ciclo político atual e convocar eleições gerais.
Manifestantes derrubam estátua de Lênin no noroeste da Ucrânia
EFE
Centenas de manifestantes derrubaram na madrugada desta sexta-feira uma estátua do líder da revolução bolchevique e fundador do Estado soviético, Vladimir Lênin, instalada em uma praça central da cidade de Zhitomir, no noroeste da Ucrânia.
As primeiras tentativas dos manifestantes para derrubar a estátua, utilizando cabos de aço e a força dos braços, não deram certo e, apenas algumas horas depois, com a ajuda de um caminhão dos Correios, o monumento veio ao chão, informou o site de notícias local "Zhitomir.info".
Uma vez que a estátua foi derrubada, os reunidos cantaram o hino nacional da Ucrânia, e depois começaram a despedaçar o monumento para levar alguns fragmentos do mesmo como lembrança.
A derrubada do monumento, erguido em 1971 quando Ucrânia fazia parte de extinta União Soviética, foi reivindicado pelo grupo ultranacionalista Pravyi Sektor, a facção mais radical da oposição ucraniana.
A polícia de Zhitomir, cidade de pouco mais de 280 mil habitantes, não interveio na ação dos manifestantes.
Agora já são cinco as estátuas de Lênin derrubadas no país desde que começaram os protestos populares contra a decisão do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, de não assinar um acordo de associação com a União Europeia.
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Após horas de negociações, o presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovich, anunciou nesta sexta-feira que prevê a realização de uma eleição presidencial antecipada, um governo de coalizão e um reforma constitucional que reduz seus poderes. As concessões, uma tentativa de solucionar a violenta crise política com a oposição pró-europeia, foram aceitas pela oposição.
O presidente ucraniano cede, assim, a alguns pedidos de parte dos opositores, que ocupam há três meses a Praça da Independência, em Kiev, mas que poderiam ser insuficientes para a população após os violentos protestos que deixaram mais de 70 mortos no país desde terça-feira.
"Anuncio o início de um processo de eleição presidencial antecipada", afirmou Yanukovich em um comunicado, sem especificar a data. "Inicio também o processo de retorno à Constituição de 2004, que dá mais poderes ao Parlamento, e a formação de um governo de unidade nacional", completou.
As delegações europeias não descartaram a possibilidade da assinatura de um acordo "temporário", mas expressaram muita prudência. No Twitter, o ministro polonês das Relações Exteriores, Radoslaw Sikorski, disse que as negociações estão em uma fase "delicada".
"Momento delicado a respeito do acordo para solucionar a crise na Ucrânia. Todas as partes devem lembrar que um compromisso não pode satisfazer em 100% a todos", escreveu o chanceler.
Três ministros europeus realizaram a mediação entre o governo ucraniano e a oposição: o chefe da diplomacia francesa, Laurent Fabius, seu colega alemão Frank-Walter Steinmeier, e o polonês Radoslaw Sikorski. Eles devem ter um encontro com o presidente ao longo do dia.
Banho de sangue em Kiev
A pressão aumentou quando Alemanha, Estados Unidos e Rússia se pronunciaram por uma solução política para a crise, que está criando uma tensão digna da Guerra Fria entre Moscou e os governos ocidentais.
"É preciso cessar o banho de sangue", assinalou um comunicado difundido por Berlim.
A violência tomou conta da Ucrânia na quinta-feira, com pelo menos 100 mortos em Kiev, segundo a oposição. Segundo o balanço mais recente do ministério da Saúde, 77 pessoas morreram desde terça-feira nos confrontos com a polícia, que usou munição real em "legítima defesa". Outras 577 pessoas ficaram feridas e 369 permanecem hospitalizadas.
As mortes durante violentos confrontos obrigaram o presidente ucraniano a aceitar a proposta internacional que prevê eleições antecipadas no país.
Armados com bastões, escudos com pregos, pedras e coquetéis molotov, centenas de manifestantes radicais enfrentaram a Polícia de Choque Berkut, que revidou com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Mas, segundo testemunhas, atiradores estavam posicionados nos altos dos prédios com fuzis. O ministério do Interior reconheceu, posteriormente, que agentes dispararam com munição convencional, alegando que estavam protegendo suas vidas. Os disparos procederam tanto de policiais no solo quanto de agentes posicionados em prédios. Pelo menos três policiais morreram na quinta-feira, que se somam aos dez agentes mortos nos dois dias anteriores. Em Lviv (oeste), os corpos de dois agentes foram encontrados numa base policial queimada, anunciaram as autoridades locais.
Imagens exibidas por uma rede de televisão ucraniana mostram homens armados com fuzis, aparentemente integrantes das forças de segurança. Um deles abre fogo contra um alvo não identificado, no centro de Kiev.
"Os manifestantes foram mortos de maneira muito profissional por atiradores emboscados que atingiam as vítimas no coração, na cabeça ou na carótida", afirmou a médica Olga Bogomolets, entrevistada pela rede Kanal 5.
Após uma trégua nos confrontos, manifestantes reforçaram as barricadas no centro da cidade com tapumes e pneus, e garrafas vazias foram levadas para serem transformadas em coquetéis molotov.
"O pior cenário que podíamos prever, o de uma guerra civil, infelizmente é muito real", declarou o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk. "Foi decidido com Yanukovytch a realização de eleições presidenciais e parlamentares este ano e a formação de um governo de união nacional nos próximos dez dias para mudar a constituição até o verão (hemisfério norte). Mas a experiência nos mostrou que os compromissos assumidos pela administração ucraniana raramente são respeitados".
Sanções aumentam
Enquanto isso, outros ministros das Relações Exteriores da União Europeia, reunidos em Bruxelas, aumentaram a pressão, decidindo cancelar os vistos e congelar os bens de autoridades ucranianas.
Depois que a crise na Ucrânia atingiu o auge, a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente americano, Barack Obama, e o presidente russo, Vladimir Putin, conversaram por telefone para discutir uma solução que acabe com o derramamento de sangue. Os três concordaram que é preciso encontrar uma solução política para a crise na Ucrânia o mais rápido possível, indicou o governo alemão.
A Casa Branca se disse escandalizada com os ataques a tiros das forças de segurança contra os manifestantes na Ucrânia, e novamente exortou o presidente Viktor Yanukovytch a retirar os policiais do centro da capital. O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, advertiu Yanukovytch que Washington adotará sanções se funcionários do governo ucraniano ordenarem disparos contra os manifestantes opositores. Biden falou com o líder ucraniano por telefone e deixou claro que os Estados Unidos estão preparados para aplicar sanções contra os funcionários responsáveis pela violência.
Enquanto especialistas consideram que a Rússia é fundamental para que a crise seja solucionada, Moscou tem mantido uma posição muito firme. O chefe de governo, Dmitri Medvedev, explicou que seu país vai cooperar apenas com um poder que não aceita ser pisado. O Kremlin indicou durante a tarde que vai enviar seu representante, o delegado de direitos humanos Vladimir Lukin, a pedido da Presidência ucraniana, para participar de uma mediação com os opositores.
A onda de contestação no país começou em novembro de 2013 após a desistência do presidente ucraniano em assinar um acordo com a União Europeia, optando por se reaproximar de Moscou.
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