Um dos temas básicos da campanha eleitoral de Donald J. Trump foi que os Estados Unidos estão sendo explorados por outros países e que seu governo vai reduzir o déficit da balança comercial.
Acontece que as medidas que ele está propondo vão totalmente contra esse objetivo. Ao defender um orçamento abrangente, resultado de alívio fiscal e gastos com infraestrutura, são grandes as chances de que seu plano faça minguar a poupança nacional dos EUA e o valor do dólar subir ainda mais, criando as condições ideias para aumentar e não diminuir esse saldo negativo.
O presidente eleito parece ignorar uma questão de aritmética básica: embora a balança comercial se refira à diferença entre as exportações e importações de um país, inclui também a diferença entre o valor que economiza e investe, e pode ser resultado da reorganização dos elementos da equação de demanda agregada da nação. Se ela poupa mais do que investe, terá superávit; da mesma forma, se economizar menos do que investe, irá gerar um rombo.
Aparentemente inconsciente dessa operação matemática óbvia, Trump está propondo cortes abrangentes e, pelo que parece, sem fundos, nos impostos de pessoas jurídicas e físicas. Para piorar, ao mesmo tempo sugere grandes aumentos nos gastos militares e de infraestrutura pública.
E o faz na esperança totalmente irreal de que essas medidas resultem na aceleração da economia, passando do nível de crescimento atual, que é de dois por cento, para algo entre três ou quatro por cento. Além disso, está contando com essa agilização para gerar receitas fiscais.
O problema é que, se essa expansão econômica não se materializar, é quase certo que o efeito imediato dos cortes fiscais e da política de gasto público será um aumento significativo do déficit orçamentário e um consequente declínio na poupança do governo – o que, por sua vez, resultaria no aumento do déficit da balança comercial, já que o nível da poupança nacional em geral minguaria.
Pleno emprego X inflação
Outra fraqueza estrutural da proposta orçamentária de Trump é que ela geraria estímulo na economia no momento em que está muito perto de alcançar, se não já chegou, ao pleno emprego – o que cria preocupações em relação à inflação, pois forçaria o Federal Reserva (Fed) a elevar os índices de juros acima do que pretende para mantê-la sob controle.
Uma das características de destaque da economia global atual é a divergência nas visões de política monetária dos principais bancos centrais do mundo. O Fed norte-americano optou pelo caminho do aumento de juros; por sua vez, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão continuam às voltas com medidas agressivas de alívio quantitativo com o objetivo de reativar suas economias moribundas.
Forçar o Fed a elevar juros a uma velocidade maior da que prevê atualmente só ajudará a enfatizar as diferenças entre ele e outros bancos centrais de peso, cuja consequência mais imediata e provável seria causar a valorização do dólar.
Desde a eleição, no início de novembro, a moeda norte-americana já teve um aumento significativo, o maior dos últimos 14 anos; a última coisa de que o país precisa, se quiser reduzir o déficit comercial, é um dólar ainda mais forte. Ele só tornaria as exportações mais caras no mercado externo e as importações mais acessíveis, o que, nem de longe, ajudaria a reduzir o rombo na balança comercial.
A grande preocupação é que, se o déficit externo dos EUA aumentar por causa dessa política econômica temerária, Trump reforce a atitude intervencionista e protecionista no aspecto comercial. Como vimos em sua recente ingerência no caso da Carrier, esse parece ser seu método preferido de lidar com as questões mercantis.
E se ele escolher essa opção, estará arriscado a estimular retaliação por parte de nossos parceiros, o que levaria a economia global à política dos anos 30 de empobrecer o vizinho – e até Trump deve saber que as guerras comerciais não são solução para nada.
*Desmond Lachman, membro do American Enterprise Institute, já foi vice-diretor do departamento de desenvolvimento e revisão de políticas do FMI e principal estrategista econômico de mercados emergentes da Salomon Smith Barney.
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