Recomenda-se fazer três pedidos ao entrar numa igreja – que dirá se a igreja é a Catedral de Havana, em Cuba, um país comunista, onde, imagina-se, os templos podem ser fechados para balanço. Deus, em situação de risco, não deve dormir em serviço – deduzi. Ajoelhei, clamei seu Santo Nome e mandei o primeiro desejo: "Quero ver o Fidel Castro". O outro era conseguir voltar para Curitiba sem ser importunado na alfândega; o terceiro, não conto nem que me mandem para o paredón.

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Como os pensamentos do Chefe Supremo não são os nossos, não fui atendido. Até passei perto do comandante em jefe cubano, justo em Havana Vieja, onde está a Catedral. Mas não o vi. Era uma tarde de sábado de janeiro de 2004 e Fidel fazia as honras de Estado para outro chefe – Bartolomeu I, patriarca da Igreja Ortodoxa Grega. Quarteirões foram fechados, o policiamento reforçado e a turistada se viu empurrada para aquelas ruelas laterais em que a falência múltipla do sistema de saneamento cubano entra pelas narinas. Uma tortura.

Além do mais, "que diabos o velho Castro fazia em companhia de um líder religioso bizantino?" O sonho tinha mesmo acabado. Quanto ao pedido não-satisfeito – a fina que dei no ditador podia ser um sinal divino. Apelei para os cubanos, cuja amizade, no câmbio negro, pode ser comprada por US$ 1. Começava com conversa fiada – Lula, os Ronaldinhos e a informação preciosa de que a Maitê Proença (Doña Beja) continuava linda. Em seguida, dá-lhe soltar um desinteressado "e o Fidel?" Silêncio, tolinho. Retomei a estratégia de abordagem dentro de uma van – indo para Varadero – e de onde minha colega de banco não podia escapar. "Donde vive Fidel?" Necas. Fechou a cara e me deixou a ver coqueiros.

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Outra tentativa foi com um engenheiro formado na Europa. Ele fazia bicos clandestinos, atendendo turistas a preços de ocasião. Cobrou US$ 40 para me levar de carro até a casa onde viveu Ernest Hemingway – uma distância como do Centro ao Pinheirinho. Houvesse um Expresso, gastaria R$ 1,80, mas pude conhecer o minúsculo apartamento em que o rapaz morava com a mãe, a mulher e a filha; além da aventura de inventar uma boa mentira caso um policial nos parasse. Se me saísse mal, teria problemas na alfândega. Reforço no segundo pedido. E nada de esbarrar no Fidel.

Até que recebi um outro sinal – os cubanos não são doidos de falar mal do comandante com estranhos – até porque têm mais o que fazer, como batalhar uma carona e o rango do dia. Mas se esparramam quando o assunto é Che Guevara. Foi assim com o guia pirata, que até arriscou a pele ao falar que se Che tivesse ficado com a presidência, tudo teria sido diferente. E fim de papo.

Paciência – os cubanos queriam falar de novelas brasileñas, eu do Fidel, enquanto isso, a imagem do Che estava dando sopa nos outdoors, na Praça da Revolução, livrarias, museus – um verdadeiro suvenir romântico para os turistas, mas também um anestésico na vida de habaneros e demais companheiros cansados de guerra. Fidel talvez seja para eles o Che possível, uma espécie de vice que se perpetuou no cargo mantendo por perto a lembrança do rei morto. Sosseguei, comprei uma camiseta com a fina estampa do Che, fotografado pelo Alberto Korda, e fui viver meu sonho.

No aeroporto – cadê o Anjo da Guarda: "Jornalista, sozinho, procurava o que em Cuba?", interrogou o policial. Pensei em dizer "Vim ver o Fidel, seu guarda!". Mas não era só isso. Mandei a verdade – como na música "Quero ir a Cuba", do Caetano. Eu tinha ido ver "a vida lá", "e a revolução que também tocou meu coração. E quero voltar". Carimbado – mas não sem antes ouvir um "onde você aprendeu a falar espanhol tão bem?". Bondade do moço que, vai ver, não perdeu a ternura jamais. Valha-me Deus.

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