As reações à morte de Fidel Castro, assim como à sua vida, foram profundamente divididas. Líderes mundiais, entre os quais o presidente da África do Sul, Jacob Zuma; o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi; e vários políticos latino-americanos deram declarações e tuitaram destacando as conquistas de Castro e exaltando as suas virtudes.
“Para todos os revolucionários do mundo, precisamos continuar com seu legado e com sua bandeira de independência, de socialismo, de patriotismo”, tuitou o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Ao mesmo tempo, multidões de cubanos exilados e seus aliados se reuniram nas ruas de Miami para celebrar a morte de um governante muitas vezes inflexível que dividiu famílias e que governou com mão de ferro. Havana, enquanto isso, permaneceu em silêncio.
O presidente francês, François Hollande escreveu em uma declaração que Fidel “incorporou a revolução cubana, nas esperanças que ela criou e depois nas decepções que ela provocou” e expressou suas condolências a Raúl, sua família e ao povo cubano.
Um dos líderes mundiais a permanecer por mais tempo no poder, Fidel Castro liderou as forças revolucionárias que tiraram o poder de Fulgêncio Baptista em 1959. Como primeiro-ministro e depois como presidente, Fidel reduziu o analfabetismo e melhorou o atendimento de saúde para os pobres da ilha, ao mesmo tempo em que prendeu milhares de dissidentes, confiscou propriedades privadas e causou um êxodo de cubanos de enfrentaram mares perigosos em embarcações domésticas para chegar às praias dos Estados Unidos.
Ainda não está claro como a morte de Fidel vai impactar a delicada relação entre os Estados Unidos e Cuba. As relações entre os dois países foram retomadas em 2014, com uma visita do presidente Barack Obama a Cuba neste ano e uma promessa de atenuação das sanções que prejudicaram a economia da ilha por meio século. No entanto, durante a campanha o presidente eleito Donald Trump criticou Obama por fazer “concessões” ao regime.
O barbudo Castro conseguiu se tornar um ator relevante no cenário mundial no auge da Guerra Fria ao fazer de Cuba um posto avançado da União Soviética a apenas 145 quilômetros da Flórida. Ele levou as superpotências a chegarem perto de uma guerra nuclear na Crise dos Mísseis Cubanos em 1962 e deu apoio militar e político a grupos revolucionários e a governos marxistas na América Latina e na África, consolidando sua reputação como inimigo dos Estados Unidos.
“A partir de 1960, Cuba se tornou um ator importantíssimo, desproporcional a seu tamanho, no cenário mundial e em grande medida por causa de Fidel”, diz Geoff Thale, diretor da ONG Washington Office on Latin America. “Cuba e Fidel são símbolos do sujeito pequeno que enfrenta o gigante do hemisfério. As pessoas ainda têm essa imagem romântica de Ciba como símbolo da revolução.”
O regime de Fidel resistiu a uma invasão patrocinada pelos Estados Unidos, conhecida como Baía dos Porcos, em 1961, e ele pessoalmente sobreviveu a pelo menos oito tentativas de assassinato tramadas pela CIA.
“Não tenho absolutamente nenhum arrependimento em relação ao que fizemos no nosso país e ao modo como organizamos nossa sociedade”, ele disse ao jornalista Ignacio Ramonet para o livro “Fidel Castro: Minha Vida”, um relato oral publicado em 2006.
Naquele ano, ele começou a diminuir seu papel no governo ao ceder temporariamente o controle a seu irmão mais novo, Raúl, enquanto se recuperava de uma cirurgia. Ele renunciou à presidência e ao posto de comandante-em-chefe em favor de Raúl em 19 de fevereiro de 2008. A troca de liderança levou a reformas, embora não à democracia que sucessivos presidentes americanos e gerações de cubanos esperavam.
Em 17 de dezembro de 2014, o presidente Barack Obama anunciou planos de restabelecer relações diplomáticas e de amenizar o embargo de cinco décadas à ilha, passos que muitos cubanos e cubano-americanos imaginaram que jamais ocorreriam enquanto Fidel estivesse vivo.
No mês seguinte, Fidel deu seu apoio ao descongelamento das relações embora permanecesse cético em relação aos motivos que levavam os americanos a essas iniciativas.
“Eu não confio na política dos Estados Unidos nem troquei uma palavra com eles que fosse”, ele escreveu em uma carta publicada pela imprensa estatal. “Isso não significa, no entanto, que eu me oporia a uma solução pacífica para conflitos ou ameaças de guerra”.
Em março de 2016, Obama visitou a ilha. “Vim aqui para enterrar o último resquício da Guerra Fria nas Américas”, ele disse.
Fidel Alejandro Castro Ruz nasceu em 13 de agosto de 1926, em Biran, Cuba, um dos sete filhos de Angel Castro y Argiz, um trabalhador que migrou da Espanha para Cuba, com a cozinheira Lina Ruz Gonzales.
Fidel frequentou escolas dirigidas por maristas e jesuítas. Ele era apaixonado por beisebol e recebeu o título de “atleta colegial de destaque” de Cuba quando estava no ensino médio.
Ele disse a Ramonet que seu lado rebelde se desenvolveu desde cedo. “Eu não gostava de autoridade, porque naquela época eram comuns castigos corporais, você levava um tapa na cabeça ou uma cintada”, disse Fidel.
Em 1945, Fidel entrou para a faculdade de Direito na Universidade de Havana e deu seus primeiros passos rumo à política revolucionária.
Enquanto ainda estava na faculdade, o futuro líder cubano se uniu a 1.200 homens que tentaram invadir a República Dominicana e derrubar o ditador Rafael Trujillo. A marinha cubana mandou a expedição de volta para casa.
Em 1952, dois anos depois de se formar, Fidel concorreu a uma vaga na Câmara dos Deputados de Cuba. A campanha acabou quando Batista, na época general das Forças Armadas cubanas, deu um golpe e cancelou as eleições.
Fidel liderou cerca de 165 homens em um ataque a um quartel do Exército no ano seguinte, na esperança de fazer surgir um levante popular. Os soldados mataram oito de seus homens e executaram dezenas depois que o combate acabou. Os sobreviventes fugiram e mais tarde foram capturados e julgados.
Assumindo a própria defesa no julgamento, Fidel fez um discurso de duas horas que terminou com uma declaração muito citada: “a História vai me absolver”. Ele foi condenado a 15 anos de prisão e foi libertado depois de dois anos como parte de uma anistia geral.
Castro partiu para o exílio no México, onde somou forças com o revolucionário comunista argentino Ernesto “Che” Guevara.
Em 1956, os dois cruzaram o Mar do Caribe com cerca de 80 homens em um barco chamado Granma para começar uma guerra de guerrilha contra Batista. As forças cubanas mataram quase todos os guerrilheiros no desembarque e houve apenas 12 sobreviventes. Fidel se retirou para as montanhas de Sierra Maestra com os sobreviventes. Lá, deixou crescer a barba que se tornaria sua marca registrada.
“Todo mundo passou a deixar a barba e o cabelo crescerem, e isso se tornou uma espécie de emblema de identificação”, ele disse a Ramonet.
Os rebeldes de Fidel conseguiram apoio da população e em 1º de janeiro de 1959 forçaram Batista a partir para o exílio. Fidel tinha 32 anos.
Nos dois anos seguintes, ao transformar Cuba em uma ditadura comunista, Fidel confiscou terras e nacionalizou engenhos de açúcar, fazendas e refinarias de petróleo que eram de propriedade de pessoas ligadas aos Estados Unidos. O governo dele prendeu ou matou opositores, declarou que o país era ateu e fechou 400 escolas católicas.
Em 1962, o presidente americano John F. Kennedy impôs um embargo comercial que foi mantido por vários sucessores, privando Cuba de seu maior parceiro comercial e fazendo com que a economia não tivesse acesso à moeda americana. Em 2014, o governo afirmou que o embargo americano custou US$ 117 milhões à ilha.
Entre 1960 e 1965, a CIA organizou pelo menos oito tentativas de assassinato contra Fidel, de acordo com o relatório escrito em 1975 por uma comissão do Senado americano presidida pelo senador Frank Church, um democrata de Idaho.
“Sobrevivi a 600 atentados contra a minha vida”, Fidel disse em Cordoba, na Argentina, em julho de 2016.
A invasão da Baía dos Porcos foi autorizada pelo presidente John F. Kennedy. Em 17 de abril de 1961, refugiados armados pela CIA tentaram um desembarque anfíbio na baía na parte sudoeste da costa cubana com o objetivo de provocar um levante. As forças ligadas a Fidel mataram mais de 100 invasores e capturaram mais de 1,1 mil. Ele soltou os prisioneiros depois de obter um resgate de US$ 53 milhões dos americanos pagos em alimentos e remédios.
Dezoito meses depois, fotografias feitas por um avião espião americano mostraram que Fidel tinha autorizado que a União Soviética construísse bases para mísseis atômicos em Cuba. A descoberta marcou o início da Crise dos Mísseis Cubanos, 13 dias durante os quais o mundo encarou “o cano do revólver da guerra atômica”, nas palavras de Theodore Sorensen, autor dos discursos de Kennedy. O presidente Kennedy impôs um bloqueio naval a Cuba e determinou que aviões fossem carregados com armas atômicas.
Depois de uma crise de quase duas semanas, Kennedy se ofereceu para retirar em sigilo mísseis americanos da Turquia e da Itália se a União Soviética retirasse os mísseis de Cuba. No dia seguinte, a Rádio Moscou transmitiu uma declaração do líder soviético Nikita Khrushchev de que as armas seriam retiradas.
Embora a economia cubana ficasse estagnada nas décadas seguintes, Fidel enviou forças militares para apoiar movimentos guerrilheiros em países em desenvolvimento ao longo dos anos 70 e 80, muitas vezes confrontando governos apoiados pelos EUA.
Durante o período de Fidel no poder, dezenas de milhares de pessoas fugiram de Cuba, principalmente para os Estados Unidos, onde estabeleceram comunidades anti-Fidel no sul da Flórida e na região de Nova York.
A maior fuga, conhecida como êxodo de Mariel, aconteceu em 1980. Depois de grupos de cubanos tentarem fugir forçando a entrada em embaixadas estrangeiras, Fidel removeu a proteção militar a esses prédios. Em uma semana, 10 mil cubanos forçaram sua entrada na embaixada peruana.
Fidel respondeu anunciando que os cubanos eram livres para ir embora. Ele convidou pessoas que tinham migrado para os Estados Unidos para ir até o porto de Mariel e levar quem quisesse sair do país. O porto logo ficou lotado de barcos que ajudaram a transportar mais de 125.000 pessoas para os Estados Unidos; entre os “Marielitos” estavam criminosos que Fidel libertou da prisão, doentes mentais e outras pessoas que ele considerava indesejáveis.
A perda da ajuda soviética em 1991 colocou a economia de Cuba em uma profunda depressão, o que levou Fidel a racionar comida e a determinar que as pessoas andassem de bicicleta para economizar gasolina. Ele conseguiu gerar comércio internacional ao permitir a construção de hotéis espanhóis, lotados de turistas europeus, nas praias do país. Ele continuou a lutar contra os EUA em função da imigração.
O Partido Comunista extinguiu a proibição de que cubanos se filiassem a organizações religiosas em 1991. Fidel convidou o papa João Paulo II a uma visita em 1998, permitindo que fossem realizadas quatro missas campais e respondendo ao pedido do papa para que houvesse uma anistia libertando 300 prisioneiros, entre os quais 70 presos políticos.
Em 1999, Cuba ganhou um novo padrinho quando Hugo Chávez se tornou presidente da Venezuela, um país rico em petróleo, e buscou formar uma aliança política e econômica com Fidel. Sob os governos de Chávez e de seu sucessor, Nicolás Maduro, a Venezuela deu a Cuba 100.000 barris de petróleo por dia em troca dos serviços de 30 mil médicos e professores de educação física.
Fidel manteve uma atitude repressiva e, em 2003, aplicou novas medidas duras contra dissidentes que levaram a uma condenação internacional.
À medida que a saúde de Fidel se deteriorava, seus imensos discursos, que chegaram a ser uma característica da vida cubana, foram substituídos por colunas de opinião nos jornais estatais, onde ele defendia o socialismo, embora o governo de seu irmão, Raúl, estivesse retirando algumas restrições sobre a propriedade de imóveis, viagens ao exterior e propriedade de empresas.
Quando Raúl e Obama, em dezembro de 2004, anunciaram planos para melhorar as relações entre os dois países, Fidel não comentou o assunto publicamente.
O casamento de Fidel com Mirta Diaz-Balart, com quem ele se casou em 1948, terminou em um divórcio em 1955. Eles tiveram um filho, Felix Fidel Castro Diaz, apelidado de Fidelito.
Em 1961, Fidel começou uma relação com Dalia Soto del Valle, uma professora com quem ele se casou em 1980, de acordo com “Fidel Castro: Minha Vida.” Eles tiveram cinco filhos: Alexis, Alex, Alejandro, Antonio e Angel.
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