O plebiscito separatista catalão neste domingo (1°) foi marcada pelas imagens que o governo espanhol tanto temia: colégios eleitorais invadidos pela polícia, anciãos retirados à força e milhares de pessoas votando embaixo da chuva. De acordo com as autoridades catalãs, ao menos 884 pessoas e 33 policiais ficaram feridos durante a votação.
Um vídeo registrando a polícia destruindo as portas de um colégio eleitoral causou especial indignação, assim como cidadãos jogados ao chão pelas forças de segurança. Na véspera, um cartaz de “más democracia” fora destruído por manifestantes contrários ao voto.
O governo regional catalão, que já goza de alguma autonomia, convocou o plebiscito para ter sua independência completa da Espanha. O presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont, disse que a região “ganhou o direito de se tornar um Estado independente” após a votação realizada neste domingo. Em um discurso televisionado após o fechamento dos locais de votação, Puigdemont afirmou que “hoje o estado espanhol escreveu outra página vergonhosa em sua história com a Catalunha”.
As autoridades em Madri, porém, afirmam que a consulta é ilegal e, portanto, sem valor. O plebiscito deste domingo foi considerado ilegal pelo governo central de Madri, além de ter sido proibido pelo Tribunal Constitucional da Espanha.
Do outro lado, o Parlamento catalão ameaça declarar sua independência unilateralmente em até 48 horas depois do voto. O governo central em Madri avisa que não vai reconhecer o gesto. O cenário dos próximos dias é incerto.
Tentativas de parar o plebiscito
A polícia espanhola tentou parar o plebiscito deste domingo sobre a independência da Catalunha, utilizando da força em algumas ocasiões. De acordo com as autoridades catalãs, ao menos 884 pessoas e 33 policiais ficaram feridos durante a votação.
O voto, apesar da preocupação, era feito de maneira festiva pela manhã. Em uma das escolas visitadas pela Folha de S.Paulo eleitores haviam criado uma espécie de corredor - batendo palmas a quem saía das urnas, cantando “ele votou! ele votou!”. “Isso para mim é liberdade”, diz Maria Oliva, 60. “Vivi a época franquista, e me sinto como era 40 anos atrás.”
Ela se refere à brutal ditadura do general Francisco Franco (1939-1975), período durante o qual o movimento separatista catalão foi reprimido. A língua dessa região, aparentada do francês, chegou a ser proibida. “Não é sobre votar ‘sim’ ou ‘não’. É sobre votar”, afirma. “Hoje tenho vergonha de ser espanhola, e não quero mais ser. Se pudesse, seria apenas catalã.”
Mas para Pau Freixa, 41, o plebiscito de domingo não é sobre declarar ou não a separação imediata. É sobre mostrar o apoio ao projeto de um Estado próprio, diz o professor de literatura eslava. “É importante que as pessoas vejam quão desesperados estamos”, diz. Freixa e outras 30 pessoas dormiram em uma escola de Barcelona para impedir que a polícia fechasse o colégio eleitoral. A noite foi longa, embaixo da chuva. “Não temos um interlocutor em Madri.”
Urnas ocultas
O presidente catalão, o separatista Carles Puigdemont, votou pela manhã em Cornellà de Terri, onde foi celebrado pelos eleitores presentes. Cada voto era comemorado. Madri havia confiscado milhões de cédulas e milhares de urnas, e a polícia cortou o acesso à internet em diversos pontos para impedir o plebiscito.
Ativistas esconderam urnas durante a madrugada em igrejas. As caixas de plástico foram levadas aos locais de voto em carros particulares, sem alarde. Como medida surpresa, o governo catalão anunciou de manhã que aceitaria votos em qualquer colégio eleitoral, e não apenas naqueles onde os eleitores estivessem registrados. Era aceito também o voto sem envelopes.
As cenas de embate foram duramente criticadas por importantes atores políticos, como Pablo Iglesias, do movimento de esquerda Podemos. “Porradas, empurrões, anciãos arrastados. O que o Partido Popular está fazendo à nossa democracia me repugna. Corruptos, hipócritas, inúteis”, escreveu na rede social Twitter.
O conservador Partido Popular, representado pelo premiê Mariano Rajoy, governa a Espanha. Mas a intervenção contra o plebiscito tem o apoio de diversas outras siglas, como os Cidadãos, de centro-direita.
A crise é complicada porque a Catalunha tem sua própria polícia, os Mossos, que em diversos pontos da região se recusaram a desalojar os eleitores. O governo de Madri acusou essa força de privilegiar a política, acima de sua obrigação profissional de fazer valer a lei.