O primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, corre graves riscos com a retirada das forças e dos colonos israelenses da Faixa de Gaza e de um setor da Cisjordânia que começou na segunda-feira. Para Williams Gonçalves, especialista em Relações Internacionais da Uerj e da UFF, e polêmica medida pode, além dos prejuízos políticos, inflamar os radicais judeus a ponto de ameaçarem a vida do premier de direita.

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O extremismo islâmico, que tem suas expressões máximas na região nos grupos Hamas e Jihad Islâmica, também pode aproveitar a brecha para se fortalecer, acredita Gonçalves. Mas, acrescenta o especialista, caberá ao presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, ter habilidade política para aproveitar o recuo do Estado judeu e demonstrar aos radicais que isso é um indício de que a negociação produzirá mais efeitos que os homens-bomba.

GLOBO ONLINE: Quais são as conseqüências no curto e no longo prazo da retirada israelense da Faixa de Gaza e de áreas da Cisjordânia? WILLIAMS GONÇALVES: No curto prazo podemos ter uma espécie de relativa calmaria, mas no longo prazo poderemos ter uma convulsão ainda mais intensa proporcionada pelos grupos radicais que hoje se manifestam contrários a Ariel Sharon. A retirada não significa de maneira alguma uma cessão significativa de Israel e de Sharon. Não devemos nos impressionar com a oposição dos radicais que querem resistir à retirada e que consideram Sharon um traidor. Naquele contexto, todo sinal de negociação, por mais modesto que seja, é bem-vindo, é positivo.

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GLOBO ONLINE: E por que o senhor considera positivo? GONÇALVES: Porque é necessário criar nas relações entre palestinos e israelenses um solo firme, por mais exíguo que ele seja, para a partir daí construir um ambiente de negociação. E isso sem Ariel Sharon, e sim com outro governante de Israel, mas é necessário estabelecer essa plataforma, a partir da qual erguerem-se negociações, estreitando assim o solo dos radicais.

GLOBO ONLINE: E isso é mais fácil sem a liderança de Sharon? GONÇALVES: Sim, provavelmente com outro. Um exame completo da questão há que levar em conta não apenas as relações bilaterais entre o presidente da Autoridade Nacional Palestina (Mahmoud Abbas) e o premier israelense, mas deve também levar em consideração as relações políticas entre os palestinos e dentro de Israel. Não haverá qualquer gesto significativo de negociação sem uma boa base política interna. O isolamento dos radicais israelenses é um passo importante.

GLOBO ONLINE: Há risco de o extremismo judeu crescer após a retirada? GONÇALVES: Sim, há. Os radicais judeus são bastante violentos e perigosos. Yitzhak Rabin (ex-premier e ganhador do Nobel da Paz) não foi assassinado por um palestino, mas por um judeu ortodoxo inconformado com a iniciativa de Rabin de negociar com os palestinos. E Sharon não está livre disso e sofrer a mesma penalidade que Rabin sofreu.

GLOBO ONLINE: Os extremistas judeus convivem durante anos com o radicalismo islâmico. Eles podem ter absorvido o modo de operação dos radicais palestinos? GONÇALVES: Não diria isso. Nas origens do moderno Estado judeu, verificamos que o terrorismo e o extremismo foi usado por ambas as partes. Os judeus conseguiram criar o seu Estado naquela região em 1948 apelando para o terrorismo em grande escala contra os britânicos. Não podemos cometer o engano de atribuir o terrorismo aos palestinos, que poderiam ser copiados pelos judeus. Ambos usam o terrorismo desde o início. Os judeus ortodoxos lançam mão desse expediente há muito tempo e continuam a usar. E se voltam aos seus dirigentes que, no entender deles, cedem aos palestinos. O que separa Sharon dos radicais? A posição de Sharon é que deve haver um Estado israelense absolutamente seguro. Mas na idéia dele só pode haver um Estado israelense totalmente seguro com os palestinos sem Estado, com os palestinos fragmentados e dispersos como estão atualmente. Essa é a estratégia de Sharon: manter os palestinos divididos, enfraquecidos e dispersos. Já os radicais não querem conversa nenhuma com os palestinos, eles acham que não pode haver Estado palestino e que toda aquela região (o atual território de Israel, mais a Cisjordânia e a Faixa de Gaza) deve ser o território de Israel e que os palestinos devem desaparecer dali.

GLOBO ONLINE: Exatamente como ocorre com os radicais palestinos, na mão contrária, não? GONÇALVES: Exatamente, é o equivalente dos radicais judeus. E a vantagem para Israel é que já é um Estado estabelecido, moderno, com grande poderio militar, seu serviço secreto atua no mundo inteiro, e não se pode comprovar, mas tudo indica que dispõe de bomba atômica.

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GLOBO ONLINE: A retirada aproxima mais os palestinos do sonho de terem o próprio Estado no Oriente Médio? GONÇALVES: Em tese sim, mas não prática não. Porque em princípio é um gesto de cedência e boa vontade do governo de Israel. Mas nós sabemos que isso pode gerar uma situação de conflito que, na verdade, conspira contra o processo.

GLOBO ONLINE: O presidente da Autoridade Nacional Palestina pode sair fortalecido da medida bancada pelo premier israelense? GONÇALVES: Pode, ele precisa disso. Para que a sua liderança se consolide e ele seja autorizado a negociar em nome de todas as facções é preciso que Israel realize de alguma maneira uma cedência. Abbas precisa dizer para os seus radicais que vale a pena negociar. Esse seu pronunciamento só será crível se houver alguma cedência. A relação de Abbas com os radicais palestinos depende em grande parte do que ele obtiver de Sharon.

GLOBO ONLINE: Há risco de a Faixa de Gaza se tornar uma área livre para a atuação de extremistas do Hamas e da Jihad Islâmica? Com a saída da forças israelenses, os grupos radicais podem se desenvolver mais e representar um perigo ainda maior? GONÇALVES: Podem, seguramente. Na verdade, o Sharon conta com isso. Ele não quer ceder muito. Ele mostra um gesto aparentemente de boa vontade, mas há coisas que ele não admite perder, e de certa forma conta com essa resistência para isso. O fortalecimento do Hamas depende muito das negociações do Abbas com o Hamas e a Jihad. É uma situação muito difícil. Só poderá haver negociação positiva e produtiva com outro governante de Israel e com outra correlação de forças políticas no país, não com Sharon. Enquanto os conservadores israelenses governarem o país e tiverem maioria no governo, as negociações serão sempre muito lentas, insignificantes e insatisfatórias do ponto de vista palestino. Isso sempre fortalecerá os grupos radicais. Por outro lado, é sabido que os palestinos não vão ganhar com os grupos radicais. Aqueles que se sensibilizam pela injustiça histórica com o povo palestino de privá-lo de um Estado sabem que com os radicais não haverá vitória, como também não haverá com governos conservadores israelenses. O fato de Israel ser governado pela direita ou pela extrema-direita aparentemente dá razão aos radicais. Mas, claro, os radicais não vão ganhar o Estado, isso só acontecerá pela via da negociação. Não é realista pensar que os palestinos ganharão seu Estado por meio de radicais com armas nas mãos.

GLOBO ONLINE: Então o senhor acredita que, com a saída das forças isralenses da Faixa de Gaza, pode se criar uma situação propícia para o alastramento das atividades armadas do Hamas? GONÇALVES: Exatamente, eles podem se fortalecer ao ponto de representar até maior ameaça a Israel. E justificar ações violentas de Israel posteriormente. A ação dos radicais nunca será definitiva e ela engendra uma espiral de violência. O que os demais querem é que os palestinos tenham seu Estado e vivam em paz. Ninguém quer vitória militar, hecatombe, terrorismo. O que ser quer é que seja feita justiça e que o povo palestina obtenha o atendimento de sua demanda histórica e que foi sancionada pelas Nações Unidas. Os palestinos não estão pedindo nada exorbitante, mas apenas que a resolução da ONU seja cumprida.

GLOBO ONLINE: O mapa da paz, que se encontra travado, pode ganhar novo fôlego com a medida? GONÇALVES: O mapa da paz, como todas as demais questões candentes de nosso mundo, dependem em grande parte da intenção dos Estados Unidos. Por ser a hiperpotência que é e por ter interesses muito fortes na região (Oriente Médio) em virtude do petróleo, do ponto de vista estratégico, e em virtude do terrorismo, do ponto de vista político, nada significativo é decidido sem passar pelo crivo dos Estados Unidos. A negociação levada a efeito por Sharon deveu-se a um empurrão dos EUA, que, depois de ter invadido o Afeganistão e o Iraque, tinha que fazer algum gesto de conciliação e sugeriu que Sharon negociasse.

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GLOBO ONLINE: Mas então por que o mapa da paz não prosseguiu? GONÇALVES: A ação dos americanos foi paralisada porque perdeu o apoio dos europeus por causa da represália terrorista. Além disso, os EUA se atolaram no Iraque, o que é uma coisa igual ou pior que o Vietnã. Assim, os EUA perderam momentaneamente a iniciativa naquela região, deixando as negociações em compasso de espera. Embora o mapa da paz não dependa só dos EUA - depende da Rússia e da União Européia - nada disso será posto em marcha sem o desejo dos EUA. A implementação do mapa da paz, que é algo que não agrada aos israelenses, só mesmo com a pressão dos americanos é que será possível. Só que os americanos ficaram atolados no Iraque e perderam a iniciativa na região. O que se desenhou no início - um passeio militar no Iraque, a reconstrução e depois um governo confiável - não se concretizou. Eles não conseguem dar um jeito no Iraque e sair de lá. O máximo que eles conseguiram fazer foi retirar a Síria do Líbano, mas não conseguiram mudar a Síria. Falavam também que iam entrar no Irã e reformar o país. Não só não conseguiram como também houve uma reação eleitoral que pôs no poder um presidente nacionalista que agora está reativando o programa nuclear iraniano. Eles (os EUA) não estão em condições de pressionar Sharon, as coisas não deram certo como eles contavam.