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Manifestante exibe cartaz de crítica a Evo Morales durante manifestação de repúdio à repressão policial em marcha indígena | Gaston Brito/Reuters
Manifestante exibe cartaz de crítica a Evo Morales durante manifestação de repúdio à repressão policial em marcha indígena| Foto: Gaston Brito/Reuters

Obra polêmica

Principal fonte de recursos vem do Brasil

O governo brasileiro manifestou preocupação com a reação violenta da polícia durante a marcha contra a construção de uma estrada em território indígena na Bolívia. Mas a mesma nota do Itamaraty que lamenta a repressão também manifesta apoio à obra: "Se trata de um projeto de grande importância para a integração nacional da Bolívia e que atende aos parâmetros relativos a impacto social e ambiental previstos na legislação boliviana", dizia o comunicado.

No final de agosto, o ex-presidente Lula viajou à Bolívia e participou junto com o presidente Evo Morales de um evento organizado pela construtora brasileira OAS, que está fazendo a construção da estrada Villa Tunari-San Ignacio de Moxos. A professora Fernanda Wanderley avalia o discurso de Lula como ambíguo, pois falou em diálogo, mas também incentivou a construção da rodovia. "Entre os bolivianos, existe uma percepção muito negativa da posição do Brasil, de que os interesses econômicos e os compromissos político brasileiros é que importam", observa a pesquisadora.

O projeto prevê que US$ 332 milhões sejam financiados pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). A assessoria do banco informou que os recursos são para a compra de bens e serviços brasileiros que serão utilizados na obra e que ainda não foi feita nenhuma liberação de nenhuma quantia para a construção da estrada.

Na sexta-feira, o embaixador do Brasil na Bolívia, Marcelo Biato, declarou em entrevista à rádio Nederland que o financiamento do Brasil continua vigente e que é parte de "um projeto que visa ajudar a Bolívia a desenvolver seu potencial de infraestrutura". (JN)

Evo Morales, o presidente eleito e reeleito na Bolívia com discurso de defesa dos direitos dos povos indígenas, chegou a uma crise na última semana gerada justamente pelo conflito com aqueles que lhe deram respaldo para chegar ao poder. O país todo reagiu após as ações violentas da polícia para conter os participantes da marcha contra a construção de uma estrada que passa pelo Território Indígena do Parque Nacional Isiboro Sécure (Tipnis).

A marcha teve início no dia 15 de agosto e os cerca de 700 participantes protestavam com o agumento de que o trecho da rodovia Villa Tunari-San Ignacio de Mo­­xos que corta a reserva vai favorecer os agricultores e produtores de coca e colocar em risco a sobrevivência dos povos indígenas que vi­­vem na reserva.

Imagens divulgadas em canais de televisão bolivianos mostraram a intensidade da repressão da polícia no confronto com os manifestantes na localidade de San Miguel de Chaparina, estado do Beni. Policiais paramentados com roupas e instrumentos de tropa de choque usaram bombas de gás e cassetetes, renderam in­­divíduos desarmados e colocaram fitas adesivas em suas bocas. Há relatos de que mais de 100 crianças participavam da manifestação e muitas delas foram separadas de suas mães durante a fuga da violência policial.

As cenas indignaram bolivianos de diversos setores, que se so­­lidarizaram com os indígenas e fo­­ram às ruas na quarta-feira passada (28). Trabalhadores, estudantes, professores universitários, donas de casa e crianças participaram da greve geral e das ma­­nifestações que repudiavam os procedimentos violentos que jornais do país chegaram a comparar com ações do tempo da di­­tadura militar. Pelo menos 20 or­­ganizações sociais e políticas estiveram envolvidas na paralisação.

A professora brasileira Fer­­nan­­da Wanderley, radicada há vinte anos na Bolívia, onde é diretora de pesquisa da pós-graduação em Ciências do Desen­­vol­­vi­­mento da Universidade Mayor de San Andrés, explica que o Tipnis já está passando por um processo de invasão e que a estrada só piora a situação. "Seria uma medida que agravaria a disputa que existe entre os cocaleiros e os indígenas, com efeitos graves, também para a conservação do meio ambiente". A maior falha nesse processo, na opinião da professora, é não ter sido feita a consulta popular prévia, conforme determina a constituição aprovada no próprio governo de Evo Morales.

Diante da reação popular e após a renúncia de dois ministros – Cecilia Chacón (da Defesa) e Sacha Llorenti (do Interior)-, Mo­­rales suspendeu as obras no trecho até que ocorra debate nacional.

Balois Cabrera, professor de Direito Agroambiental da Uni­­versidade Mayor de San Simón, explica que os estudos feitos pela Administradora Boliviana de Estradas apontaram sete alternativas de projeto para estrada e três delas afetariam o núcleo da reserva. As outras opções para fazer uma obra no entorno do Tipnis resultariam em uma estrada mais longa e, consequentemente, um projeto mais dispendioso.

Durante a semana, César Uzê­­da, diretor da área internacional da construtora brasileira OAS, que está fazendo as obras, disse que, caso se recorra a uma alternativa que não corte o território in­­dígena, a obra poderia se tornar "economicamente inviável".

Além de administrar o debate que contrapõe o desenvolvimento e os direitos dos indígenas, o go­­verno de Evo Morales vai ter que redobrar os esforços de punir os culpados pela ação violenta con­­tra os participantes da marcha. Na última sexta-feira foi divulgado que havia um "Plano de Descon­­centração" da polícia para dispersar os indígenas – o que significa que a ação foi planejada.

Evo enfrenta crises desde o 1.º mandato

Crises políticas assolam o governo de Evo Morales desde seu primeiro mandato que teve início em 2006. Já em 2007, surgiram movimentos separatistas nos estados mais ricos da Bolívia diante das propostas de uma nova Constituição.

Para acalmar os ânimos, em 2008, o presidente propôs um re­­ferendo revogatório para o seu mandato e para os dos governadores. Ele foi reafirmado para o cargo, em agosto daquele ano, com 68% dos votos.

Mas, após o referendo, a crise se intensificou, os oposicionistas passaram a exigir autonomia ad­­ministrativa e a devolução para os estados que administravam da porcentagem do Imposto dos Hidrocarbonetos, que passara a ser utilizada para a previdência.

Os grupos contrários ao governo atacaram a polícia militar, in­­vadiram instituições públicas, fecharam fronteiras com o Brasil e ameaçaram expulsar voluntários e funcionários cubanos e ve­­nezuelanos. A situação tornou-se tão extrema que Morales chegou a anunciar que estava sofrendo uma tentativa de golpe de estado.

O então presidente Lula apoiou o chefe de Estado boliviano e o aconselhou a ter paciência. Já o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, chegou a ameaçar intervir Bolívia caso derrubassem ou matassem Morales.

Em janeiro de 2009, a nova Constituição foi aprovada com 61% de aprovação popular. No final do mesmo ano, Morales foi reeleito para ser presidente da Bolívia por mais cinco anos.

A novidade na crise que Mo­­rales enfrenta agora é que não são grupos com grande poderio econômico que reagem às medidas propostas pelo presidente para beneficiar as minorias. Quem se levanta e questiona o governo são movimentos populares, muitos dos quais o apoiaram em crises anteriores.

Até mesmo a ministra da De­­fesa, Cecília Chacón, manifestou sua insatisfação ao renunciar ao: "Nos comprometemos com o povo de fazer as coisas de outras maneira", disse em sua carta de demissão.

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