A Harvard University Press, que publica a série Loeb de textos clássicos da Antiguidade grega e romana, quer fazer o mesmo com a literatura clássica da Índia, naquele que alguns já descrevem como um dos projetos editoriais acadêmicos mais complexos jamais empreendidos.
A Murty Classical Library of India (Biblioteca Clássica Murty da Índia), cujos primeiros cinco volumes bilíngues já foram lançados, vai incluir não apenas textos em sânscrito, mas também obras em bengali, hindi, kannada, marathi, persa, prakrit, tâmil, telugu, urdu e outros idiomas. Projetada para chegar a cerca de 500 livros ao longo dos próximos cem anos, a série deve abranger poesia e prosa, história e filosofia, textos budistas, muçulmanos e também hindus.
A Harvard University Press começou a publicar os volumes da Biblioteca Clássica Loeb, em tamanho de bolso, em 1911. Com o tempo, os livros, que chegam a 522 volumes e ainda continuam a ser lançados, tornaram-se obras de referência e objetos de fetiche.
A Biblioteca Clássica Murty vai "oferecer algo que o mundo nunca antes viu, tampouco a Índia: uma série de livros confiáveis, acessíveis, precisos e belos que vão abrir o passado pré-colonial da Índia", disse Sheldon Pollock, professor de estudos do sul da Ásia na Universidade Columbia e editor-geral da biblioteca.
A literatura das muitas línguas clássicas da Índia inclui milhares e milhares de textos, muitos dos quais só existem em manuscritos que estão se degradando.
As edições da Biblioteca Murty, que vêm envoltas em capas elegantes de cor rosa, são feitas "para durar cem anos", como as da série Loeb, disse Pollock.
Para alguns estudiosos, porém, o projeto também funciona como repreensão pontual, embora apenas implícita, aos nacionalistas hindus do governista Partido Bharatiya Janata, que promove uma identidade indiana unitária baseada em clássicos religiosos em sânscrito.
Rohan Murty, filho do bilionário indiano de tecnologia N.R. Narayama Murthy (os dois grafam seu sobrenome de modo diferente), ofereceu US$ 5,2 milhões para financiar a nova biblioteca, que será digitalizada.
Algumas das primeiras obras a ser lançadas serão familiares para muitos indianos, mesmo que eles nunca as tenham lido.
"O Oceano de Sur", antologia de mil páginas contendo mais de 400 poemas atribuídos ao poeta do século 16 Surdas, que escreveu em hindi, inclui versos que penetraram na tradição oral.
O próprio Surdas figura numa pergunta do "quiz show" no filme "Quem Quer Ser um Milionário?".
Outros textos aparecem em tradução completa pela primeira vez, incluindo "A História de Manu", poema épico do sul da Índia escrito no século 16 que trata do primeiro ser humano.
Os volumes inaugurais incluem dois trabalhos da tradição muçulmana. As letras sufistas do poeta punjábi Bullhe Shah, do século 18, e o primeiro volume da "História de Akbar", de Abu'l-Fazl, que narra a infância de um imperador mogol, são elogiadas hoje por seu pluralismo religioso.
Os primeiros volumes lançados da Biblioteca Murty incluem a "Therigatha", uma antologia de versos das primeiras mulheres budistas ordenadas. Os textos foram escritos mais de 2.000 anos atrás no Sri Lanka.
De acordo com o tradutor Charles Hallisey, os versos foram abraçados por budistas modernos que procuram uma visão do budismo preocupada com o oprimido. Mas eles ainda não alcançaram o lugar que merecem no cânone literário mundial, em parte, disse Hallisey, devido à rigidez das traduções anteriores feitas a partir do pali, uma língua morta.
Os poemas enxutos transmitem o anseio pela transcendência e vislumbres da vida ordinária, podendo facilmente ser entendidos mesmo hoje, milênios depois.