Mulher afegã é entrevistada ao lado do corpo de uma criança morta pelo militar na província de Kandahar| Foto: Reuters/Ahmad Nadeem

Egito pode rejeitar ajuda militar

Cairo - A Assembleia Popular do E­­gito (Câmara dos Deputados) decidiu ontem que será votada em plenário uma resolução que anula os acordos pelos quais os Estados Unidos dão US$ 1 bilhão por ano em ajuda militar ao país. A As­­sembleia também decidiu iniciar o processo para um voto de desconfiança no governo militar do Egito, apenas quatro meses antes da prevista transferência do poder para os civis.

A iniciativa parlamentar con­­tra a ajuda militar dos EUA foi provocada pela permissão, dada em 1.º de março pela Junta Militar, para que seis nor­­te-americanos acusados de incitar tumultos deixassem o país. Os seis são parte de um grupo de 43 pessoas, entre elas 16 norte-americanos, acusados de fomentar a turbulência política no Egito. Nove dos norte-americanos já haviam deixado o Egito quando as acusações foram feitas; um preferiu ficar no país e os outros seis receberam permissão para partir em 1.º de março, de­­pois de os EUA ameaçarem cortar a ajuda militar ao Egito.

Durante a sessão de ontem, vários deputados afirmaram em seus discursos que os EUA não respeitam a soberania do Egito e que os generais egípcios cederam às pressões norte-americanas. A decisão de abrir um processo de voto de desconfiança contra o governo do pri­­meiro-ministro Kamal el-Ganzouri foi tomada depois de os deputados ouvirem os depoimentos de quatro ministros sobre o caso dos norte-americanos liberados.

Vários deputados disseram que são os generais, e não o governo, quem deve ser questionado sobre a "humilhação" imposta pelos EUA. A Junta Militar afirmou que não teve qualquer participação na liberação dos norte-americanos acusados, que teria sido uma decisão do Judiciário. Mas o juiz que abriu o processo contra os 43.

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Soldados do Exército afegão vigiam a base militar norte-americana em Kandahar, cercada pela população local
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Um soldado norte-americano invadiu ontem três casas em duas aldeias no sul do Afega­­nistão e matou a tiros 16 pessoas, entre elas nove crianças, deixando também cinco feridos. O presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, divulgou comunicado dizendo que "isso é um assassinato, a matança intencional de civis inocentes, e não pode ser perdoado".

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Em Washington, a Casa Branca divulgou comunicado dizendo que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, telefonou para Karzai para ma­­nifestar "choque e tristeza" e disse que o crime "não é representativo do caráter excepcional dos nossos militares e do respeito que os EUA têm pelo povo do Afeganistão". Ele prometeu "reunir os fatos tão rapidamente quanto possível e fazer quem quer que seja responsável prestar contas".

O Pentágono disse que o militar que atacou os civis afegãos é um sargento do Exército baseado em Fort Lewis (Washington); ele teria se entregado às autoridades militares logo depois de cometer o crime. Pelo menos uma testemunha, porém, disse que havia mais de um militar envolvido.

O massacre aconteceu às 3 horas locais de ontem, nas aldeias de Balandi e Alkozai, ambas a cerca de 500 metros de uma base das forças de ocupação norte-americanas na província afegã de Kan­­dahar. Segundo Abdul Baqi, morador de Alkozai, "quando tudo acon­­teceu, no meio da noite, nós estávamos em nossas casas. Eu ouvi tiros, depois silêncio, e então tiros novamente".

Outro morador de Alkozai, o agricultor Samad Khan, disse que 11 dos mortos eram membros de sua família. "Este foi um ato anti-humano e anti-islâmico. Em nenhuma religião do mundo se permite a matança de mulheres e crianças", disse Khan. Ele e outros moradores da aldeia exigiram que o governo Karzai puna o militar responsável. "De outra forma, nós mesmos tomaremos uma decisão", acrescentou.

Outra moradora de Alkozai disse que "não havia ninguém do Taleban aqui. Não havia nenhum tiroteio. Não sabemos por que esse soldado estrangeiro veio aqui e matou nossos familiares. Ou ele estava bêbado, ou gosta de matar civis".

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Crise

O Taleban, movimento radical islâmico que governava o Afega­­nistão até o país ser invadido pelos EUA e seus aliados, em 2001, emitiu comunicado na internet dizendo que "mais uma vez, os chamados mantenedores da paz norte-americanos saciaram sua sede com o sangue de civis afegãos inocentes na província de Kandahar".

Um fotógrafo da agência de notícias Associated Press disse ter visto 15 corpos nas duas aldeias; alguns deles estavam queimados e outros haviam sido cobertos com lençóis. Algumas das fotografias divulgadas mostram corpos parcialmente queimados, alguns deles de crianças. O comunicado divulgado pelo presidente Karzai disse que ele falou com um dos sobreviventes, identificado como Rafiullah, de 15 anos; ele teria dito que soldados norte-americanos entraram em sua casa à noite, acordaram sua família e começaram a atirar; Rafiullah foi ferido em uma das pernas.

Um porta-voz da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar liderada pelos EUA, disse em comunicado que a organização lamenta e vai investigar o "incidente". O co­­municado não menciona as mortes: "Esse incidente profundamente lamentável de maneira nenhuma representa os valores das forças internacionais e das tropas da coalizão, nem o respeito que temos pelo povo afegão."

O massacre aprofundou uma crise entre os governos do Afega­­nistão e dos EUA, iniciada há um mês com a divulgação de imagens da queima de exemplares do Alcorão, o livro sagrado do Islã, por soldados norte-americanos dentro de uma base militar no Afega­­nistão. Cerca de 30 afegãos morreram nos protestos que se seguiram à queima dos livros e seis militares norte-americanos foram mortos em retaliação.

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