Maria Butina, em Moscou, em outubro de 2013| Foto: Arquivo pessoalReprodução/Facebook Maria Butina

A suposta espiã russa e defensora do armamentismo Maria Butina trocou sexo por um cargo em uma organização de interesses especiais nos Estados Unidos, segundo promotores que investigam o caso. Eles pediram que a Justiça a mantenha na cadeia antes do julgamento, devido a seus vínculos com os serviços de inteligência russos

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Ela enfrenta acusações de ter conspirado ilegalmente para estabelecer um canal de apoio entre russos e políticos norte-americanos durante o último ciclo eleitoral e operara como um agente não registrado da Russia nos EUA. "Como Butina foi exposta como agente ilegal da Rússia, há um sério risco de que recorra àqueles dentro do governo com o qual ela conspirou para ajudá-la a fugir dos Estados Unidos", disseram os promotores. "Butina apresenta um risco de voo extremo".

Movimento conservador

Por quase cinco anos, a jovem estudante de ciências políticas da Rússia foi um elemento incomum nos eventos mais importantes do movimento conservador dos EUA. Butina fez amizade com líderes influentes da Associação Nacional de Rifle (NRA, na sigla em inglês) e da Conferência de Ação Política Conservadora falando sobre seu interesse em assuntos dos EUA e seus esforços em promover os direitos do porte de armas na restritiva Rússia de Vladimir Putin. Ela se aproximou dos candidatos à presidência do Partido Republicano, buscando primeiro um encontro com o governador de Wisconsin, Scott Walker, e depois com Donald Trump. 

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Mas em agosto de 2016, quando Butina se mudou para os EUA com um visto de estudante, o FBI já estava de olho nela. Em vez de questioná-la ou confrontá-la, as autoridades decidiram rastrear seus movimentos para descobrir com quem ela estava se encontrando e o que ela estava fazendo nos EUA - o tipo de monitoramento que não é incomum quando cidadãos estrangeiros são suspeitos de trabalhar em nome de um governo estrangeiro.

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Até então, Butina já havia questionado Trump publicamente sobre suas opiniões a respeito da Rússia e tinha brevemente encontrado com seu filho mais velho, Donald Trump Jr., em uma convenção da NRA. Depois que o FBI começou a monitorá-la, Butina atendeu a um baile durante a posse de Trump e tentou marcar uma reunião entre o presidente e um alto funcionário do governo russo no National Prayer Breakfast do ano passado, evento anual que reúne a elite política, empresarial e social dos EUA com o objetivo de construir relacionamentos. 

Em 2017, depois de se matricular como aluna de pós-graduação na American University, em Washington, Butina começou a investigar grupos de esquerda, tentando sem sucesso entrevistar um grupo de direitos civis baseado na capital Washington sobre suas vulnerabilidades cibernéticas. Segundo ela, esse era um projeto da faculdade, conforme contou uma pessoa familiarizada com suas atividades. 

No domingo (15), alertados que Butina estava se preparando para deixar Washington rumo a Dakota do Sul, onde o monitoramento seria mais difícil, as autoridades federais a prenderam. 

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Influência russa nos EUA

A mulher de 29 anos foi indiciada por um grande júri na terça-feira, acusada de conspiração e de não se registrar como agente estrangeiro. A acusação alega que ela trabalhou com seu contato no governo russo para se infiltrar em grupos políticos americanos como parte de um esquema "para promover os interesses da Federação Russa". 

Robert Driscoll, advogado de Butina, disse que ela não é uma agente russa, e sim apenas uma estudante interessada em política e com o desejo de se relacionar com os americanos. "Ela pretende defender seus direitos vigorosamente e espera limpar seu nome", disse ele em um comunicado. 

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Autoridades dos EUA alegam que suas atividades mostram a amplitude e a sofisticação das operações de influência da Rússia nos EUA. Ao mesmo tempo em que promotores dizem que 12 oficiais da inteligência russa tentaram influenciar a campanha presidencial de 2016 ao hackear e divulgar documentos roubados dos democratas, Butina estava perambulando pelo país, construindo laços com poderosas figuras conservadoras em nome do Kremlin, de acordo com documentos judiciais. 

"O processo desta última queixa é apenas mais uma prova de como foi o ataque da Rússia à democracia, de longo alcance e cuidadosamente planejado", disse um ex-funcionário americano com conhecimento da investigação, que falou sob condição de anonimato. "Para qualquer um que duvide que a ameaça russa de contra-inteligência seja real, essa queixa deve ser mais uma prova de que é uma ameaça viva, real e urgente para o país". 

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As atividades de Butina levantam questões sobre por que a NRA e outros grupos deram a ela acesso de alto nível, permitindo que ela conhecesse políticos importantes e líderes de pensamento influentes. 

Os funcionários da NRA não responderam aos pedidos da reportagem para comentar o assunto. 

História de vida cativante 

As pessoas que se encontraram com Butina disseram que ela teve uma história de vida que atraiu muitos ativistas e autoridades que conheceu nos eventos do Partido Republicano. Em um programa de rádio em 2015, ela contou que cresceu nos bosques da Sibéria, onde seu pai ensinou para ela e para sua irmã a caçar ursos e lobos. 

Depois de ter sido proprietária de uma pequena rede de lojas de móveis por um breve período, Butina mudou-se para Moscou, onde começou uma carreira em relações públicas e fundou um grupo chamado ‘Direito de Portar Armas’, a fim de defender o afrouxamento das restritivas leis russas sobre armas. 

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Logo, seu grupo adquiriu um patrono poderoso, um senador russo do partido de Putin que mais tarde se tornou o vice-diretor do banco central da Rússia: Alexander Torshin, um membro vitalício da NRA que conviveu com conservadores cristãos durante os eventos do National Prayer Breakfast em Moscou. 

Atuando como assistente e tradutora de Torshin, Butina logo começou a formar suas próprias conexões com a NRA, tornando-se amiga de David Keene, ex-presidente da União Conservadora Americana, que também foi presidente da NRA de 2011 a 2013. 

Em 2013, Butina e Torshin convidaram Keene e outros entusiastas de armas americanos para Moscou para participar do encontro anual de sua organização. 

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Lá, Butina conheceu Paul Erickson, um operador republicano baseado em Dakota do Sul que era bem conhecido entre republicanos devido ao seu trabalho como diretor da campanha presidencial de Pat Buchanan em 1992. Em abril, ela disse ao Comitê de Inteligência do Senado que havia começado um relacionamento amoroso com o americano, segundo contaram pessoas familiarizadas com seu testemunho. 

Erickson corresponde a uma descrição de um americano citado nos documentos judiciais como um agente político que ajudou a introduzir Butina a influentes figuras políticas americanas "com o propósito de fazer avançar a agenda da Federação Russa". 

Erickson, que não foi acusado, não respondeu aos pedidos de entrevista. 

Relação com a NRA 

A partir de 2014, Butina começou a participar de convenções anuais da NRA, de acordo com seus perfis em mídias sociais. Ela e Torshin tiveram acesso incomum a reuniões de elite da NRA, de acordo com uma pessoa familiarizada com a organização dos eventos da associação. Nos últimos anos, eles foram convidados regulares nos jantares do Golden Ring of Freedom e eventos VIP reservados para pessoas que normalmente doam US$ 1 milhão para a NRA. 

Butina disse ao Comitê de Inteligência do Senado que nem ela nem Torshin fizeram contribuições para a NRA além do pagamento das taxas de associados, segundo pessoas a par de seu testemunho. O tratamento especial dispensado a eles era apenas uma forma de agradecimento por terem sido anfitriões quando da visita dos líderes da NRA em Moscou. 

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A NRA, que gastou mais com a campanha de Trump do que com qualquer candidato anterior à presidência, negou ter recebido financiamento de Butina ou de Torshin. Em uma carta de abril ao senador democrata Ron Wyden, do Oregon, um funcionário da NRA disse que, além das taxas de associação, Torshin "não fez nenhuma contribuição e, portanto, não é membro de nenhum programa importante de doadores". 

A NRA deu a Butina um trampolim para o mundo da política republicana. Em março de 2015, documentos judiciais mostram que ela e Erickson trocaram e-mails sobre um projeto especial de "diplomacia", com o objetivo de usar a organização para influenciar o Partido Republicano, que Butina previu que conquistaria o controle da Casa Branca. 

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Em abril, na convenção anual do grupo naquele ano, que contou com uma dúzia de candidatos presidenciais, eles estiveram com os principais convidados do evento em uma sala VIP, de acordo com uma pessoa que estava presente. 

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Em uma postagem em rede social, Butina escreveu que conheceu Walker (governador de Wisconsin) e ficou surpresa quando conseguiu trocar algumas palavras em russo com ele, que estava se preparando para lançar sua candidatura à presidência e liderava as pesquisas de intenção de voto. 

Um porta-voz de Walker disse nesta terça-feira (17) que havia milhares de pessoas na convenção e que "muitos deles se aproximaram do governador e pediram para dizer oi e tirar uma foto com ele". 

Relação com os Republicanos 

Ainda em 2015, ela participou da manifestação política de Walker em Wisconsin e de um encontro para candidatos em Las Vegas, onde estavam presentes o senador Marco Rubio e Trump. 

Butina teve acesso a áreas VIP em eventos políticos como a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês), o que deu a ela oportunidade de falar com líderes de organizações e funcionários do alto escalão, de acordo com pessoas que a viram lá. 

"Olá, sou russa", lembrou-se um participante veterano do CPAC quando ela se apresentou, fazendo rapidamente perguntas em inglês acentuado, mas excelente: "O que você faz? Quem você apoia como presidente?". 

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O veterano da CPAC, que pediu anonimato por causa da investigação em curso, lembrou-a como "amigável, curiosa e paqueradora". 

Ela muitas vezes levantou a questão dos direitos das armas antes de pedir para trocar cartões de visita e manter contato nas mídias sociais, segundo pessoas que a conheceram. 

"Ela era como uma novidade", disse Saul Anuzis, ex-presidente do Partido Republicano de Michigan, que encontrou Butina em vários eventos conservadores em 2016. "Ela gerenciava um grupo de direitos ao porte de armas na Rússia e, por definição, com o tipo de repressão sob Putin, você pensava que se tratava de uma coisa revolucionária, radical". 

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Em um email de 2017 para o Washington Post, Butina argumentou que seu grupo "não era muito popular" com autoridades russas e que não havia recebido financiamento do governo de seu país. "Nenhum funcionário do governo nunca me abordou para 'promover laços' com qualquer americano", escreveu ela. 

Igor Shmelyov, o presidente do grupo russo de Butina, disse que sua prisão foi um "grande choque". 

"Maria está interessada em armas, então é claro que seu círculo social está ligado a isso", disse, acrescentando que ela interagiu com os membros da NRA e da Fundação Segunda Emenda por causa desse interesse pessoal. "Dizer que tudo isso significa que ela estava fazendo lobby pelos interesses russos é bastante ridículo". 

Ligação com o governo russo 

Mas de acordo com o FBI, ela mantinha conversas frequentes com uma "autoridade do alto escalão do governo russo" sobre seus esforços para conseguir melhores laços entre a Rússia e os EUA. A descrição apresentada na denúncia combina com Torshin, que foi um dos 17 altos funcionários do governo russo penalizados pelo governo dos EUA em abril por desempenhar um papel no avanço das "atividades malignas" da Rússia. 

Procuradores sustentaram a ligação de Butina com o governo russo nesta quarta-feira (19), em um novo processo, onde também afirmam que ela tinha intenções de fugir do país.

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Em março de 2016, ela enviou um e-mail a um contato americano informando que o governo de Putin havia expressado aprovação por ela e pelos esforços de Torshin para construir um "canal de comunicação" nos EUA, de acordo com documentos judiciais. 

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"Maria Butina está atualmente nos EUA. Ela me escreve que D. Trump (um membro da NRA) é verdadeiramente a favor da cooperação com a Rússia", Torshin tuitou em russo em fevereiro de 2016. 

No mês seguinte, Butina novamente mandou um e-mail para um contato americano, falando que Torshin havia recebido aprovação do governo de Putin por seus esforços, de acordo com os documentos judiciais. 

Na noite da vitória de Trump, dizem os documentos, ela enviou uma mensagem a Torshin: "Vou dormir. São 3 horas da manhã aqui. Estou pronta para novas ordens". 

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Erickson buscou um cargo na equipe de transição de Trump e reclamou após a eleição quando se deparou com um problema com sua credencial de segurança, de acordo com pessoas familiarizadas com a situação. 

Mesmo sem credenciais oficiais, ele pressionou doadores de Trump e ex-oficiais de campanha por posições de destaque para pessoas que ele achava especialmente qualificadas. Uma pessoa relembrou seu lobby para que K.T. McFarland fosse nomeado conselheiro de Michael Flynn, primeiro conselheiro de segurança nacional de Trump. 

Desconfiança 

À medida que cresceu o escrutínio das ações russas durante a campanha, o trabalho de Butina como estudante de pós-graduação na American University atraiu a atenção também. Ela provocou alarme em um grupo de direitos civis em Washington, em junho de 2017, quando pediu para entrevistar o diretor do grupo sobre sua vulnerabilidade a ataques cibernéticos para um projeto escolar. 

"Foi uma atividade incrivelmente suspeita", disse Jon Steinman, co-fundador da CyberHill, uma firma de segurança cibernética. Steinman disse que imediatamente entrou em contato com o FBI e foi entrevistado sobre o episódio em janeiro. 

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Driscoll, advogado de Butina, disse que seu interesse não era surpreendente, uma vez que ela estava matriculada em um programa de segurança cibernética. Um porta-voz da American University confirmou que Butina se formou em maio, mas se recusou a comentar. 

Com seu diploma na mão, Butina se preparou para deixar Washington e ir para Dakota do Sul neste fim de semana. Foi aí então que o FBI decidiu prendê-la.