O governo Lugo
Os quatro anos do mandato do presidente Fernando Lugo foram marcados por crises.
2008 Em abril, Fernando Lugo, ex-bispo católico, se elege presidente por uma coalizão de esquerda, pondo fim a décadas de domínio do Partido Colorado. É empossado em agosto.
2009 Lugo cria a Diretoria Geral de Verdade, Justiça e Reparação, semelhante à Comissão da Verdade brasileira, para investigar crimes da ditadura Stroessner (1954-1989).
Assume a paternidade de Guillermo Armindo, 3 anos, nascido quando ele ainda era bispo. Em 2012, assumirá a paternidade de outra criança, depois de sofrer quatro processos.
2010 Decreta estado de exceção no norte do país devido aos ataques do grupo guerrilheiro EPP (Exército do Povo Paraguaio).
Governo divulga em agosto que presidente sofre de câncer linfático, do qual se trata no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
2011 Presidente obtém acordo com o Brasil que triplica o valor pago ao Paraguai pela energia da usina binacional de Itaipu.
Lugo anuncia estar curado do câncer.
Justiça paraguaia despeja proprietários de terra brasileiros (brasiguaios) que vivem no país há 30 anos, sob acusações de irregularidade. Brasiguaios acusam Lugo de estimular invasões, e há ameaça de conflito com sem-terra.
2012
15 de junho 11 camponeses e 6 policiais morrem em conflito durante desocupação de terra em Curuguaty, no nordeste do país. O ministro do Interior, Carlos Filizzola, e o comandante da Polícia Nacional, Paulino Rojas, deixam seus cargos.
16 de junho Lugo nomeia Rubén Candía, ligado ao opositor Partido Colorado, ministro do Interior, buscando abrandar a crise.
20 de junho Lugo ordena a criação de uma comissão especial para investigar o caso de Curuguaty e diz que manterá Candía no cargo, o que faz com que ele perca o apoio do governista PLRA.
21 de junho Câmara aprova abertura de processo de impeachment contra o presidente.
Recessão ameaça a economia do Paraguai, de acordo com o FMI
Folhapress
A economia paraguaia, muito dependente de commodities como a soja, dificilmente escapará da recessão neste ano. O FMI prevê que o PIB vai encolher 1,5%, depois de crescer 3,8% no ano passado.
Em 2010, o Paraguai teve expansão de 15%, mas é preciso ver esse resultado com cautela, já que no ano anterior houve retração de 3,8%. Grande parte dos problemas passa pelo campo.
A seca afetou a produção de soja, e casos de febre aftosa prejudicaram a venda de carne para o mercado externo. Para analistas ouvidos pela reportagem, a crise paraguaia é essencialmente política e não há consenso sobre os efeitos na economia local.
"Somos um país estável economicamente. As pessoas continuaram trabalhando, não creio num impacto muito grande", disse o cientista político Francisco Capli. Já o ex-ministro da Economia Cesar Barreto foi mais pessimista. "Vamos ter de pagar o custo desse episódio por dez anos, apesar de termos uma posição atual sólida, devido aos últimos oito anos de crescimento."
Para Capli, diretor da First Analisis y Estudios, a queda de Lugo está diretamente relacionada com suas opções de alianças políticas.
Cerca de 2 mil policiais cercaram o microcentro de Assunção ontem. As ruas próximas ao Palácio de López e ao Congresso Nacional estavam fechadas e algumas casas comerciais situadas na área não abriram as portas. Todo o país se voltava para o que acontecia na capital, onde as aulas nas redes públicas e privadas foram suspensas.
Policiais antimotim ficaram o tempo todo em frente do congresso. Dois carros hidrantes estavam posicionados estrategicamente para serem acionados contra os cerca de 1,5 mil manifestantes pró-Lugo que estavam na Praça Armada, em frente do Senado.
O grupo era formado por campesinos, indígenas e integrantes de movimentos sociais, partidos políticos da base aliada do agora ex-presidente Fernando Lugo.
Acampamento
De acordo com o jornal Color ABC, pelo menos 1,5 mil pessoas decidiram acampar na Praça Armada, dormindo ao relento e aguardando a chegada de 70 veículos vindos do interior do país, trazendo mais manifestantes.
Com bandeiras e faixas, a todo momento, os manifestantes pró-Lugo faziam discursos e classificavam a orquestração política do impeachment de golpe parlamentar. O campesino Narciso Florentin, 49 anos, saiu de Vila Rica, a 360 quilômetros de Assunção para apoiar o presidente. "Eu gosto de Lugo porque ele apoia o campesino", afirma.
EntrevistaRegiane Nitsch Bressan, doutoranda em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo.
"Processo que derrubou Fernando Lugo não foi democrático"
Celio Martins e Irinêo Baptista Netto
A analista Regiane Nitsch Bressan, doutoranda em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo, diz concordar com a declaração de Fernando Lugo, dada pouco depois de acatar a decisão do Senado paraguaio e entregar o poder para o vice, Federico Franco. "Hoje, a história e a democracia paraguaias foram feridas profundamente", disse Lugo. Na opinião de Regiane, trata-se de mais um caso em que a democracia foi agredida na América Latina. "Democracia tão duramente conquistada", diz a professora das Faculdades Integradas Rio Branco.
Na entrevista a seguir, feita por e-mail, a pesquisadora fala sobre o processo que derrubou Lugo e as consequências do que foi definido como "golpe branco".
Na sua opinião, o processo que resultou no afastamento do presidente Fernando Lugo foi justo?
O processo que resultou na destituição do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, não foi democrático, tampouco apresentou motivos específicos para tal destituição. A principal motivação apontada foi a falta de apoio governamental, já que, na época, Lugo assumiu a Presidência sem base parlamentar própria, e com uma aliança frágil e dependente do Partido Liberal, que se opôs rapidamente a seu governo.
Países como Nicarágua e Bolívia se referiram ao episódio como "golpe branco". O que esse termo significa e que tipo de consequências ele pode ter?
O golpe branco acontece sem violência física e intervenção armada, contudo igualmente subversivo à ordem democrática, ao permitir a ascensão de uma figura no poder sem as vias democráticas e o escrutínio popular. É um golpe menos agressivo, mas não deixa de se configurar como um golpe de estado, que fere o princípio democrático, ou seja, a vontade do povo.
A decisão do Senado é final ou Lugo ainda pode recorrer da decisão?
Neste momento, parece-nos que Fernando Lugo não conseguirá recorrer da decisão, já que o seu vice-presidente, Federico Franco Gómez, do Partido Liberal, já tomou posse e está nomeando novos ministros.
A presidente Dilma Rousseff sugeriu que o Paraguai pode ser expulso do Mercosul e do Unasul por não respeitar regras democráticas. Isso é realmente possível?
As organizações regionais preveem em seus tratados, cláusulas democráticas e a defesa do regime democrático. Firmado no âmbito do Mercosul junto ao Chile e Bolívia, o Protocolo de Ushuaia é bastante enfático e explícito: a ordem constitucional e a democracia são condições para a manutenção dos membros no bloco. Dentro do Protocolo está prevista a suspensão dos direitos do membro que romper com a ordem democrática, sendo este impedido de participar dos órgãos ou de outros tratados do Mercosul. No caso, não será a presidente Dilma Rousseff a aplicar tal medida. Os representantes dentro dessas organizações irão intervir, sempre tentando primeiro reverter o quadro antidemocrático. Somente em último caso é possível pensar em expulsão do país dessas organizações.
"Hoje, a história e a democracia paraguaias foram feridas profundamente", disse Fernando Lugo. Poderia, por favor, comentar essa declaração?
Concordo com a declaração do presidente deposto. É mais um caso em que a democracia foi violentamente ferida na América Latina. Democracia tão duramente conquistada, e que ainda está se fortalecendo na nossa região. A população paraguaia submetida por mais de 30 anos em um regime autoritário imposto pelo Partido Colorado, não teve tempo para assistir ao desenvolvimento democrático no país e se fazer realmente representada durante seu governo.