Manifestantes protestam em frente à Casa Branca, nos EUA| Foto: REUTERS/Gary Cameron

Análise

Eduardo Saldanha, professor de Direito Internacional da FAE, faz uma avaliação dos principais pontos da crise ucraniana

Referendo

Para Saldanha, a iniciativa do Parlamento da Crimeia ao convocar um referendo para discutir a reintegração à Rússia é legítima, ainda que possa haver empecilhos legais. "É uma região que, historicamente, tem forte ligação com a Rússia. Talvez a mensagem que o Parlamento esteja querendo passar com esse referendo é de que a influência russa pode ser de vontade da maioria da população", afirma. O professor acredita ainda que a ideia pode ser seguida por outras regiões da Ucrânia, mais ligadas ao domínio russo.

Sanções

As sanções anunciadas pelo governo norte-americano, que pretende restringir os vistos a russos e ucranianos que sejam considerados uma ameaça à soberania da Ucrânia, são tidas por Saldanha como medidas de pequeno impacto. "É a medida mais previsível e mais fácil de ser adotada, por ter base legal. Mas tem um efeito bem limitado. Para uma crise como a que se mostra entre a Ucrânia e a Rússia, acaba sendo apenas um gesto simbólico", avalia.

Ofensiva

A possibilidade de uma ofensiva militar contra a Rússia é tida como improvável por Saldanha. Isso porque, para levar à frente uma ação dessa natureza, seria necessário o aval da ONU. "Como a Rússia faz parte do Conselho de Segurança da ONU, uma medida como essa dificilmente seria aprovada", acredita. Além disso, Saldanha lembra que os russos têm a seu favor o papel importante nas negociações com regimes próximos a eles, casos da Síria, Irã e Coreia do Norte.

Economia

Outra hipótese pouco provável, na opinião de Saldanha, seria o estabelecimento de sanções econômicas à Rússia pela União Europeia. O motivo é o fornecimento de gás natural pelos russos. Segundo a UE, um terço do combustível adquirido pela União Europeia vem da Rússia e grande parte passa por território ucraniano. "A Europa depende do gás natural, portanto, um bloqueio econômico não seria interessante para os países europeus", aponta o professor.

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A União Europeia (UE) decidiu nesta quinta-feira suas primeiras medidas para abreviar a crise na Ucrânia por via dupla: impondo as primeiras sanções a Moscou com a suspensão das negociações para liberar vistos e garantindo a Kiev ajudas econômicas e um acordo político.

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"Nos últimos dias vimos o desafio mais grave para a segurança em nosso continente desde a guerra dos Bálcãs", disse o presidente permanente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, antes de detalhar as medidas que a UE contempla para diminuir as tensões na Ucrânia e em sua península da Crimeia.

Os chefes de Estado e do governo da UE realizaram hoje em Bruxelas uma cúpula extraordinária dedicada a buscar uma solução pacífica para o conflito.

Como primeira medida, a UE decidiu suspender as negociações com a Rússia frente à liberação de vistos e as do novo acordo-marco das relações entre Bruxelas e Moscou, e confirmou que os países comunitários que pertencem ao G8 não irão às reuniões preparatórias na cidade russa de Sochi.

"Suspendemos as negociações bilaterais para a liberação de vistos com a Rússia e as do novo acordo de associação", anunciou Van Rompuy, que insistiu que para a UE "a solução só pode ser encontrada através da negociação entre a Ucrânia e a Rússia, através de potenciais mecanismos multilaterais que devem começar nos próximos dias e produzir resultados rápidos".

Acrescentou que "se não for assim, se passará a outras medidas como a proibição de viajar para a UE, o congelamento de ativos e inclusive o cancelamento da próxima cúpula entre a União Europeia e a Rússia".

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Se não houver progressos, "haverá consequências para a relação bilateral entre a União e seus Estados-membros, e Rússia, em amplas áreas econômicas", acrescentou Van Rompuy, que reiterou que a "Rússia tem que diminuir o nível das tensões ou sofrerá as consequências".

A UE avaliou a importância de suas relações com Kiev e Moscou, e disse que está preparada para manter um diálogo "franco e aberto" com ambos, respeitando a integridade territorial e a soberania ucraniana.

"Nossa prioridade é uma saída negociada e pacífica para essa crise", afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Até o momento, a Rússia ignorou as pressões da UE e dos Estados Unidos - que hoje impuseram restrições de vistos aos envolvidos na intervenção militar russa na Crimeia - para solucionar o conflito.

"Qualquer passo a mais da Rússia para desestabilizar a situação na Ucrânia pode levar a consequências muito mais severas para suas relações com a UE e seus Estados-membros", advertiram os 28 membros da União.

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Quanto à Ucrânia, acordaram que antes das eleições ucranianas de 25 de maio assinarão com o governo interino de Kiev os capítulos políticos do acordo de associação oferecido e que deu lugar em novembro passado ao início dos confrontos entre pró-União Europeia e pró-Rússia.

"Decidimos como assunto prioritário que assinaremos muito em breve os capítulos políticos" desse acordo, "antes das eleições ucranianas", afirmou também Van Rompuy, em referência a esse processo eleitoral.

Os líderes da UE sublinharam seu "firme" apoio ao governo do primeiro-ministro interino, Arseni Yatseniuk, que participou das discussões do Conselho Europeu.

Yatseniuk agradeceu pelo apoio dos europeus e insistiu em conseguir uma solução para a crise pela via política, apesar de assegurar que, se o território da Ucrânia "se vê invadido por forças estrangeiras, o governo e o exército ucranianos agirão".

A UE mostrou sua vontade de fornecer à Ucrânia a exportação de bens para o território europeu, fomentar o processo de liberalização de vistos de seus cidadãos e assistir o país no terreno da segurança energética por meio da diversificação da provisão.

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Em paralelo, flertando com a Moldávia e a Geórgia, se mostraram dispostos a assinar com esses países acordos de associação (já rubricados) antes do fim de agosto.

Os líderes europeus também respaldaram por unanimidade o pacote de ajudas financeiras à Ucrânia no valor de pelo menos 11 bilhões de euros proposto pela Comissão Europeia a cargo do orçamento comunitário e das instituições financeiras internacionais na União.

Advertiram também que o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) à Ucrânia será "crítico para desbloquear a assistência da UE", e pediram a Kiev que realize "urgentemente" reformas estruturais para lutar contra a corrupção e reforçar a transparência.

"É crucial que haja reformas vinculadas a essa assistência", disse Barroso.

Os líderes da UE também decidiram congelar e recuperar bens de pessoas responsáveis pelo desvio de fundos públicos do Estado ucraniano, relacionados com o governo do destituído presidente Viktor Yanukovich.

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Kerry diz que "Crimeia é Ucrânia" e pede à Rússia que "dê marcha a ré"

O secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, afirmou nesta quinta-feira que "Crimeia é Ucrânia", anunciou sanções "também econômicas" para quem ameaçar a soberania desse país e voltou a pedir à Rússia que dê "marcha a ré".

Kerry fez as declarações hoje durante uma entrevista coletiva em Roma, após a conferência sobre a Líbia que reuniu na capital italiana 30 representantes de países e de organizações internacionais.

Sobre a decisão tomada hoje pelo Parlamento da Crimeia de aprovar a incorporação à Rússia e de convocar um referendo a respeito para o dia 16 de março, Kerry assegurou que "Crimeia é Ucrânia" e que a consulta "violaria" o direito internacional.

"Crimeia é Ucrânia. Cada referendo deve ser coerente com o direito vigente no país, neste caso a Ucrânia, e a consulta da Crimeia não só violaria a Constituição ucraniana mas também o direito internacional".

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Do mesmo modo, aludiu a sua reunião deste meio-dia com o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, com quem afirmou que mantém uma "relação profissional" nestes momentos baseada em um "forte desacordo".

"A relação com Lavrov é como a que mantenho com outros ministros das Relações Exteriores: profissional (...). Esse momento é de forte desacordo, mas tentaremos encontrar uma solução, do mesmo modo que ocorreu com o conflito das armas químicas da Síria", explicou.

No entanto, Kerry disse ter chegado a um acordo com um colega russo "para se manter em contato para ver se há espaço para se sentar e negociar".

Além disso, o representante afirmou que, "enquanto se reservam o direito de adotar medidas excepcionais", sua intenção é de que o presidente russo, Vladimir Putin, compreenda que a preferência dos EUA é de "retornar a uma situação de respeito aos direitos e à integridade dos ucranianos".

O americano também parabenizou a União Europeia (UE) por sua postura unânime em relação à crise ucraniana.

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"A UE cooperou da melhor forma, de modo cuidadoso e com uma comunicação constante. Acho que não houve divergências entre seus Estados-membros na hora de proteger a soberania e a integridade territorial da Ucrânia", considerou.

Após a entrevista coletiva, Kerry será recebido pelo primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, e pela ministra de Relações Exteriores, Federica Mogherini, com quem terá um jantar de trabalho.