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Cinco décadas depois das históricas marchas pelos direitos civis dos negros no Alabama, centenas de pessoas voltaram a se concentrar na Ponte Edmund Pettus — palco do Domingo Sangrento que marcou a primeira tentativa de caminhada entre as cidades de Selma e Montgomery em 1965 — no último sábado. A Viagem da América por Justiça, que percorrerá quase 1,4 mil quilômetros até chegar ao destino final, Washington, no dia 16 de setembro, acontece enquanto o assassinato do jovem Michael Brown por um policial em Ferguson, no Missouri, completa um ano. A ideia é protestar contra a injustiça racial que segue deixando marcas profundas na História dos Estados Unidos. Mas não só.

— Esse é um novo movimento pelos direitos civis. As questões são parecidas, mas não as mesmas — diz o idealizador da marcha, Cornell William Brooks, presidente da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), que, fundada em 1909, é a maior e mais antiga organização pró-direitos civis dos EUA. — A discriminação do novo milênio não é só branco e preto, ela é multicolorida, multigeracional, sofisticada e igualmente má. Como consequência, nossa luta é maior e mais ampla.

A opção por começar a marcha na famosa ponte de Selma que abrigou um dos eventos que levaram à aprovação da Lei do Direito ao Voto, principal conquista do movimento negro na década de 1960, é cercada de simbolismos. A demanda central dos manifestantes é restaurar essa mesma lei, na esteira de uma decisão da Suprema Corte em 2013 que anulou um trecho-chave do texto de 1965, autorizando estados que têm um histórico de discriminação nas urnas a mudar as regras eleitorais sem aprovação federal.

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— As pessoas têm o direito de votar, mas agora há barreiras muito sofisticadas ao voto. E essas barreiras não são só contra negros ou latinos, são também contra jovens, idosos e deficientes físicos. Por exemplo, quando um estado passa uma lei que diz que se você tem porte de armas pode usá-lo para votar, mas a permissão não vale para outras formas de identificação sem foto. Ou quando limitam o registro de eleitores para o horário comercial durante a semana, dificultando o acesso — explica Brooks.

Apoio de Obama na Casa Branca

Vestindo camisetas amarelas onde se lê “Nossas vidas, nossos votos, nossos empregos, nossas escolas importam”, os ativistas — entre eles estudantes, idosos, crianças, ambientalistas, pastores e um grupo de 150 rabinos que vêm se revezando — caminham sob o calor de 40 graus do verão americano e pernoitam em igrejas. Entre eles está o veterano de guerra Middle Tassates, de 68 anos, que viajou dois dias de ônibus do Colorado até o Alabama, de cadeira de rodas, para integrar a marcha.

— Não conhecia ninguém antes de chegar. Estou aqui desde o primeiro dia e pretendo fazer toda a viagem. Na época da primeira marcha, em 1965, eu estava na escola, mas o reverendo que coordena a nossa manifestação no Alabama participou, e foi ele quem me inspirou a fazer isso, numa reportagem que li. Estou feliz de fazer parte dessa marcha histórica de Selma para Washington. Temos todo o mundo aqui, todas as nacionalidades, todas as religiões. Somos uma só pessoa, estamos lutando pela mesma coisa, somos um só planeta — acredita.

A marcha passará por cinco estados até chegar à capital do país, onde os manifestantes vão ao Congresso pressionar por mudanças na legislação para proteger, além do voto, o direito de todo americano a um sistema criminal justo, empregos com salários sustentáveis e educação pública igualitária. Em cada local, a tropa focará o protesto num tema diferente: no Alabama, igualdade econômica; na Geórgia, reforma da educação; na Carolina do Sul, reforma da Justiça criminal; na Carolina do Norte, o direito ao voto; e, na Virgínia, haverá um comício pró-juventude. A empreitada conta com seminários, eventos-satélite pelo país e uma ampla campanha nas redes sociais sob a hashtag #JusticeSummer (Verão da Justiça).

— Estamos determinados e comprometidos a não esquecer a História do passado e fazer História no presente. Certamente é uma marcha histórica em termos de proporção e legado, mas também é uma marcha para fazer História. Uma marcha pelo curso de 40 dias e 40 moites em nome de um país novo, melhor e mais justo requer bravura e coragem. Estamos botando tropas no chão para botar leis nos livros — exalta Brooks.

O presidente da NAACP deixou a caminhada na última quinta-feira para participar de um evento comemorativo aos 50 anos da Lei do Direito ao Voto na Casa Branca. E conta que se surpreendeu quando viu o presidente Barack Obama saudar o trabalho de sua organização e a marcha.

— É raro um presidente saudar uma marcha — ele ressalta.

Enquanto isso, apenas 50 pessoas participavam do protesto, que passava por uma área rural do Alabama. A projeção, frisa Brooks, é que a manifestação encorpe enquanto toma rumo:

— A marcha de Selma a Montgomery comandada por Martin Luther King em 1965 tinha menos de cem manifestantes. Só uma dezena marchou toda a distância, que era de 80 quilômetros. E no final havia dezenas de milhares de pessoas. Foi assim 50 anos atrás, ainda é assim hoje. A Viagem da América por Justiça é desenhada para começar pequena e crescer aos poucos, com milhares de pessoas marchando para a capital da nação em volta de uma agenda comum. Na época, eles imprimiam centenas de filipetas. Nós temos Twitter, Instagram, Facebook. Podemos chegar a muitos milhares.

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