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Opinião

Um “melhor amigo” que é uma vergonha

Londres – Atualmente, não há muito o que comemorar sobre a visita de um presidente norte-americano à América Latina. Numa região onde antes faziam cumprir a sua vontade, os EUA agora parecem cada vez mais desconectados. Os presidentes da Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua, Peru, Argentina, Uruguai e Chile não são mais considerados amigos dos norte-americanos, e a China preencheu, "na surdina", o vão econômico deixado por sete anos de distração e negligência dos EUA.

O plano de Bush para uma área de livre comércio das Américas falhou; os eleitores culpam o liberalismo de mercado por anos de estagnação e os altos preços do petróleo ajudaram Hugo Chávez (Venezuela) na sua investida para substituir Fidel Castro no trono da esquerda latina.

Bush é o primeiro presidente norte-americano a visitar Bogotá desde John Kennedy, e é só na Colômbia que ele vai encontrar, hoje, um amigo incondicional na figura do presidente Álvaro Uribe, a quem ele tem proclamado como aliado e concedido milhões de dólares em ajuda militar.

Entretanto, as vésperas da visita, o melhor amigo de Bush se torna também sua maior vergonha. Uribe governa um país atolado em corrupção, violência e drogas – a Colômbia é fonte de 90% das drogas vendidas nos EUA –, onde críticos do governo recebem ameaças de morte, líderes de esquadrões da morte são anistiados e barões da droga circulam livremente.

É certo que Uribe não inventou os problemas da Colômbia. O país assiste a guerra civil e o florescimento do mercado do narcotráfico muito antes que ele se elegesse presidente em 2002.

Uribe mudou a constituição para permitir sua própria eleição ano passado. Ele também idealizou um plano de "paz" que abriu as portas para uma futura incorporação e participação na política colombiana de paramilitares anistiados que tiverem fortes vínculos com sua própria máquina política.

As forças paramilitares foram formadas nos anos 80 para combater as guerrilhas esquerdistas. Elas logo ficaram conhecidas por seus massacres e relações com as drogas; roubaram milhões de hectares de terra dos agricultores, criando 3 milhões de vítimas da guerra.

Desde seu levante em Antioquia, a província que era governada por Uribe, os paramilitares são suspeitos de colaboração com as forças secretas colombianas. O presidente nega que tenham recebido proteção política e reivindica anistia a todos. Aproximadamente 31.000 soldados paramilitares aceitaram o plano de desmobilização de Uribe e ganharam imunidade virtual pelos crimes cometidos no passado.

Em defesa de sua política, o presidente colombiano alega que houve um aumento na segurança e uma queda dramática no abuso aos direitos humanos, mas organizações de proteção aos direitos humanos discordam. A descoberta recente de túmulos coletivos comprova os números de desaparecidos em quatro anos.

Apesar disso, o país ganhou elogios de Londres e Washington e a classe média colombiana deu a Uribe uma reeleição fácil no ano passado. Agora, entretanto, esta mesma classe média, estimulada pela determinação da Suprema Corte colombiana em investigar o ponto frágil do país, tem evidências de colaboração entre esquadrões de morte paramilitares e o Departamento Administrativo de Segurança (DAS), o serviço de inteligência presidencial. A nação tem visto também membros-chave do aparato político de Uribe renunciarem, serem desonrados ou presos.

Os problemas de Uribe começaram ano passado, quando o computador de um líder paramilitar conhecido como "Jorge 40" foi confiscado. Nele foram encontrados nomes de políticos que, aparentemente, colaboraram com Jorge 40 para intimidar eleitores, confiscar terras e seqüestrar e matar sindicalistas e rivais políticos.

Jorge 40 é o nome de guerra de Rodrigo Tavar Pupo, líder do Bloco Unido de Forcas de Auto-Defesa do Norte da Colômbia (AUC), um grande grupo paramilitar criado em 1997 e categorizado pelos EUA como uma organização terrorista. Tovar controlava o tráfico de drogas na parte leste da costa caribenha da Colômbia. Desde então, oito congressistas pró-Uribe foram presos e o ministro de relações exteriores foi forçado a renunciar.

O escândalo mais comprometedor para Uribe foi a prisão de Jorge Noguera, ex-gerente de sua campanha e nomeado chefe do DAS de 2002 a 2005. Ex-funcionários do DAS revelaram as contribuições de Noguera a Jorge 40 – entre elas o empréstimo do carro blindado de Uribe – e a outros líderes paramilitares. As acusações incluem ainda um plano de assassinato do presidente venezuelano Hugo Chávez, o assassinato de oponentes políticos, fraude eleitoral e falsificação de registros policias e judiciais para apagar crimes ennvolvendo paramilitares. Noguera trabalhava diretamente para Uribe e quando as investigações começaram, o presidente o nomeou cônsul em Milão. A Suprema Corte o forçou a retornar.

Antes da metade de seu mandato, Bush talvez tenha abafado o escândalo, mas o Congresso Democrata americano está questionando a política do governos dos EUA que deixou Washington com poucos amigos além de Uribe. A oposição também está se perguntando se Uribe é mesmo o melhor destinatário de milhões de dólares dos contribuintes americanos.

No resto da região, Bush não oferece nada que seja animador. Hugo Chávez não é o único político a desconfiar que o entusiasmo de Washington por Uribe está ligado com seu interesse com o país vizinho, Venezuela – suspeitas estas que a revelação do plano de assassinato de Chávez não fará nada para dissipar. Em uma região que deve seu crescimento recente aos preços altos do petróleo e a expansão da economia da China, os EUA aparentam não fazer mais parte do esquema.

Tradução: Thiago Ferreira

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