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Conflito

Um nação, múltiplas questões

Dois seqüestros

"O aprisionamento de todos os membros da missão diplomática de um país por mais de um ano, como em 1979, é um crime contra a comunidade internacional e o princípio da diplomacia. Capturar os 15 marinheiros foi provocação, mas nada tão grave. Os dois momentos tornam-se similares na resposta que suscitaram tanto do Irã quanto fora dele. Em um mundo sem imprensa 24 horas, a notícia teria perdido o destaque em alguns dias. Embora o ato de 79 fosse um crime, não havia ameaça à segurança nacional dos EUA. O motivo que fez o então presidente Jimmy Carter transformar a crise em prioridade máxima foi a atenção contínua e focada da imprensa. Os iranianos contavam justamente com isso. No caso recente, o contraste é mais gritante. Tirar os marinheiros de lá virou prioridade graças às manifestações populars desencadadeadas pelas capas dos tablóides. Isto deu ao Irã a oportunidade de incrementar seu discurso belicoso. Descontando a retórica inflamada de ambos os lados, não sobra nada."

Ahmadinejad

"O Irã não é um bloco monolítico. Se fosse permitida uma pesquisa de opinião, aposto que a maioria se mostraria incomodada com as provocações do presidente Mahmoud Ahmadinejad, como quando ele nega o Holocausto. Este não era o clima em 1979, tempo de maior apoio ao regime. Uma das características do governo iraniano: ele é provocador. A provocação eleva o prestígio de um político em certos círculos de poder. O núcleo do governo é composto por muitos grupos nem sempre nítidos que se chocam uns com os outros. É bem possível que a Guarda Revolucionária não veja com bons olhos a aproximação recente de seu país com EUA e Síria para tratar do Iraque. Não é absurdo imaginar que a prisão dos marinheiros tenha tido por objetivo sabotar estas conversas criando uma crise. O presidente do Irã é o mesmo homem de 1979, quando esteve entre os líderes do grupo que invadiu a embaixada americana. O que ele tem a dizer hoje é o mesmo que dizia na época. É um radical que vê a Revolução Islâmica como o primeiro passo de um processo que tomará o mundo. Crê sinceramente em Deus e é um provocador."

Abertura política

"A abertura do Irã, nos anos 90, foi além do esperado e os mulás se assustaram. Então, caíram em cima: fecharam jornais de oposição, prenderam líderes estudantis e editores. Até Abbas Abdi, que foi o primeiro a entrar no prédio da embaixada americana em 1979, foi preso. Seu crime foi publicar em seu jornal uma pesquisa que indicava em mais de 70% o número de iranianos favoráveis ao reatamento das relações diplomáticas com os EUA. Ahmadinejad foi eleito em um pleito em que todos os reformistas foram cassados. O povo também terminou muito desiludido com o movimento reformista promovido pelo ex-presidente Mohammad Kathami. A esperança era de que uma democracia real surgisse, mas não aconteceu. O poder permanece com o aiatolá Ali Khamenei, o ex-presidente e clérigo Akbar Rafsanjani e os mulás. Religião é o que menos importa nesta teocracia. Rafsanjani, por exemplo, tornou-se um dos homens mais ricos do mundo nas últimas décadas. Se o povo parece muito incomodado, eles afrouxam as rédeas. Quando os movimentos reformistas se aproximam de instituir uma democracia, acabam.

Anseio popular

"Algum dia, o povo derrubará o regime dos aiatolás. Fica difícil prever quando porque a conjuntura que leva a uma revolução é misteriosa. Há estudiosos da Revolução Islâmica de 1979 que ainda não compreendem ao certo porque, naquele momento em particular da história, tantos grupos se juntaram para derrubar o xá. Mesmo chamar de Revolução Islâmica é um erro. Foi uma revolução islâmica, socialista, comunista e democrática. O clero do Irã é inteligente: permite que o vapor saia da panela vez por outra, com períodos de abertura. O impacto das novas tecnologias de comunicação é imenso sobre o povo e não podemos subestimá-lo. A internet e os canais de TV ocidentais dão uma idéia da liberdade que há fora do Irã. Essa é a maior ameaça à teocracia. A classe média iraniana admira o sucesso econômico, a liberdade e os atrativos culturais do ocidente. Mas, ao mesmo tempo, acha que vivemos uma degradação moral. E vivemos! Quando não há censura, o resultado é um misto de coisas boas e coisas ruins. Cultivamos isso. A eles, choca. Mas, no fundo, rezam nas ruas e têm seu uísque 12 anos em casa. É a natureza humana."

Xiitas e sunitas

"O objetivo dos EUA é implantar, no Iraque, um governo no qual ambos os grupos religiosos estejam representados. O objetivo do Irã, no Iraque, é o domínio xiita. Criar problemas para os EUA é bom negócio porque, quanto mais rápido os americanos deixarem o país, mais fácil a maioria xiita chega ao poder. Os xiitas iraquianos são financiados pelo Irã e recebem apoio tático. Mas, apesar de compartilharem a mesma visão do Islã, a proximidade jamais será total. O conflito inter-religioso ficou mais evidente após a invasão do Iraque porque os EUA mantinham a estabilidade política na região. As democracias implantadas no Oriente Médio se transformam em teocracias porque os eleitores votam em seus pares de religião, não em idéias a respeito de como governar. Não há saída. Ninguém tem uma estratégia em mente para resolver os problemas. Este é o maior erro do governo Bush. Acreditaram que seria possível mucar, mas sequer conheciam as circunstâncias mais básicas da região. Os assessores do presidente dos EUA foram arrogantes. A melhor estratégia, agora, é conseguir se livrar da necessidade do petróleo vindo de lá."

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