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O cordão dos ressentidos cada vez aumenta mais. Há alguns anos, o crítico americano Harold Bloom usou o termo "Escola do Ressentimento" para definir as seitas politicamente corretas da literatura. A partir dos anos 60, autores universais como Sófocles, Dante, Shakespeare e Cervantes passaram a ser julgados por critérios "modernos" e tiveram o seu valor contestado por militantes políticos travestidos de pesquisadores acadêmicos. De lá para cá, a turma dos ressentidos não se limitou aos departamentos universitários: invadiu também os tribunais, os gabinetes, os partidos políticos, as religiões, os meios de comunicação e a vida cotidiana. Há um policial do pensamento em cada canto. Nas redes sociais, a patrulha pulula.

Parodiando os títulos do historiador britânico Eric Hobsbawm (morto nesta segunda-feira; salvemos alguma coisa de sua obra...), eu ousaria dizer que vivemos a Era do Ressentimento. O militante político ressentido é o personagem principal de nossa época. Ele nunca se dá por vencido: cara, ele ganha; coroa, o adversário perde. Se governista, não admite a existência da oposição. Se opositor, não admite a existência do governo.

A mais recente vítima do Partido do Ressentimento (Pare) é o escritor brasileiro Monteiro Lobato. Os militantes afirmam que o conto Negrinha, de 1920, tem conteúdo racista e querem proibir a distribuição da obra nas escolas públicas.

Racismo em Negrinha? Nada poderia estar mais longe da verdade. Presente em inúmeras antologias da literatura brasileira, o conto é um libelo contra a persistência da crueldade racial após a abolição da escravatura. Na história, vemos a terrível insensibilidade e hipocrisia de uma senhora branca, dona Inácia, diante de uma garota órfã de 7 anos, filha de escravos, que é tratada como coisa e morre na mais absoluta solidão e desamparo. Negrinha é um conto magistral, em que se nota a influência de Maupassant. Só mesmo uma análise míope e ideologicamente envenenada poderia encontrar ali algo menos que uma denúncia da indiferença humana.

Mas não adianta. Para os radicais do Pare, tudo é ofensivo até prova em contrário. Eles botaram na cabeça que Monteiro Lobato é um demônio racista e não vão desistir até que o autor seja banido das escolas. Derrotado Lobato, a próxima vítima pode ser o Euclides da Cunha e a obra-prima Os Sertões. Ou, quem sabe, sobre para Machado de Assis e Dom Casmurro. Aí teremos a vingança de Antônio Conselheiro e Capitu.

Nunca faltarão argumentos aos militantes do Pare, pois eles são especialistas em isolar frases e criar amálgamas contra os inimigos. Os militantes do ressentimento acham que o mundo lhes deve alguma coisa, por isso enxergam ofensas em tudo: marchinhas de carnaval ("Olha a cabeleira do Zezé..."), mensagens políticas veiculadas pelo YouTube, piadas de stand-up, o ursinho Ted, um católico fazendo o sinal da cruz diante da igreja ou as meninas do vôlei rezando o Pai-Nosso.

É curioso. Mesmo sendo católico de ir à missa todos os domingos, nunca tive ímpetos de matar pessoas ou incendiar casas porque alguns escritores e intelectuais falam mal de Jesus Cristo. Tampouco defendo a proibição de livros que atacam o Cristianismo – e eles são numerosos. Dona Inácia, a megera de Negrinha, é descrita por Lobato como "gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu". No dizer de um padre, a vilã "é uma dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral". Continuo sem pedir censura ao conto – ou à novela da Globo.

Minha esperança é que a gritaria dos ressentidos desperte as pessoas para o valor das obras atacadas. Leiam Negrinha. Leiam Caçadas de Pedrinho. Leiam Reinações de Narizinho. Leiam A Chave do Tamanho. Leiam Lobato. A melhor arma contra o ressentimento é o conhecimento. Só ele para o Pare.

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