| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A crise produzida pela corrupção faz parte do cotidiano do brasileiro. Ela é tão presente que se tornou algo comum, não mais causando surpresa, como se fosse algo integrante da nossa normalidade, da cultura nacional, a ponto de gerar aparente indiferença e insensibilidade. Trata-se de uma crise moral sem precedentes, porquanto as autoridades que deveriam dar exemplo de retidão à população são exatamente as pessoas envolvidas nas “tenebrosas transações” permanentemente divulgadas pela imprensa.

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Não é novidade que esses fatos interferem na vida de todos, pois a crise gerada pela corrupção, para além da perspectiva ética, é a principal responsável pela crise política existente na República, além da crise econômica revelada pelos índices negativos de crescimento econômico e desemprego, e a crise no setor público, como é o notório caos do estado do Rio de Janeiro.

Nesse quadro dantesco, como uma resposta possível ao enfrentamento da corrupção, o Ministério Público Federal formulou propostas conhecidas como “Dez Medidas Contra a Corrupção”, transformadas em projeto de lei de iniciativa popular, com o apoio de mais de 2 milhões de cidadãos.

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As condições para a prática da corrupção foram mantidas pelas oligarquias dominantes na política

A Medida 1 cuida da “Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação”, dela constando quatro projetos: accountability, teste de integridade, porcentuais de publicidade e sigilo de fonte; a Medida 2 trata da criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; a Medida 3 propõe o aumento das penas dos delitos de corrupção e torna crime hediondo a corrupção de altos valores; a Medida 4 almeja a eficiência dos recursos no processo penal; a Medida 5 visa à celeridade nas ações de improbidade administrativa; a Medida 6 sugere reforma no sistema de prescrição penal; a Medida 7 quer ajustes nas nulidades penais; a Medida 8 objetiva a responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; a Medida 9 almeja a prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado; e a Medida 10, a recuperação do lucro derivado do crime.

Antes da votação na Câmara dos Deputados, o projeto recebeu um substitutivo, excluindo-se do original as restrições ao uso do habeas corpus; a validação, em certas circunstâncias, de provas obtidas de forma ilícita; e a ampliação das hipóteses de prisão preventiva. O teste de integridade sofreu alterações, restringindo-se os seus efeitos ao âmbito disciplinar.

Entretanto, a reação parlamentar foi ostensivamente contrária. Em seu lugar foram aprovados projetos em sentido inverso àqueles apresentados, impedindo ou restringindo o combate à corrupção ao dificultar o trabalho de investigação e processamento dos casos, sem falar da transformação em crime de abuso de autoridade o próprio desempenho das atividades do Ministério Público e do Poder Judiciário. Esse é o legado de uma maioria de deputados federais que, numa madrugada, afastou a possibilidade de aprimoramento do sistema de controle judicial da corrupção.

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Em outras palavras, as condições para a prática da corrupção foram mantidas pelas oligarquias historicamente dominantes na política brasileira. As bases para a permanência das crises moral, política e econômica restaram preservadas. Ao menos por enquanto, a corrupção venceu a esperança. Cabe ao povo dizer, do alto de sua soberania, se é isso que ele deseja.

Mateus Bertoncini, doutor em Direito do Estado e pós-doutor em Direito, é professor do Programa de Mestrado em Direito do Unicuritiba e procurador de Justiça.