Na cidade de Curitiba, observamos nas ruas e avenidas a presença da rede de cabos aéreos em centenas de postes localizados em diversos bairros. Tais redes de cabos servem à prestação aos consumidores dos serviços de fornecimento de energia elétrica, telefonia, televisão por assinatura e acesso à internet. Essa infraestrutura de rede é essencial à prestação dos serviços de energia, telecomunicações e comunicação de dados. As redes externas de telecomunicações e energia estão ligadas às redes de cabos internas localizadas no interior dos domicílios dos consumidores, a saber: condomínios residenciais e comerciais, casas e estabelecimentos comerciais e industriais.

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Recentemente, o município de Curitiba aprovou a Lei 14.593, de janeiro de 2015, que trata da substituição das redes de cabos aéreos por redes subterrâneas. De fato, a fixação de cabo no subsolo, em substituição da rede de cabos aérea, tem o potencial de melhorar a estética da paisagem urbana, a qualidade do meio ambiente, criar valorização das propriedades imobiliárias e aumentar as condições de segurança das redes de energia elétrica e telecomunicações. Esta lei municipal obriga a mudança das redes de cabos utilizadas por empresas prestadoras de serviços de distribuição de energia elétrica, de telefonia, de comunicação de dados por fibra ótica e de televisão a cabo.

Segundo a referida lei, as empresas têm a obrigação de realizar as obras de troca da infraestrutura de rede de cabos na zona central da cidade de Curitiba no prazo de seis anos a partir da sua vigência – ou seja, a partir de março de 2015. Conforme a mesma lei municipal, os custos da substituição das redes de cabos aéreas pelas redes subterrâneas devem ser suportados pelas referidas empresas. Não há previsão de compensação financeira em relação às despesas de substituição da infraestrutura. Na hipótese de descumprimento desta obrigação legal, há a previsão da multa de 0,5% (meio por cento) do faturamento mensal da empresa que comete a infração à lei municipal.

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A constitucionalidade da lei municipal que ordena a substituição da infraestrutura de redes de energia elétrica e telecomunicações pode ser questionada. É que, por uma perspectiva, a Constituição assegura aos municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, inc. I), para disciplinar o uso e ocupação do solo urbano (art. 30, inc. VIII) e para promover a política de desenvolvimento urbano (art. 182). Estes são geralmente os fundamentos constitucionais adotados pelos municípios para editar leis sobre a infraestrutura urbana. Mas, por outro ponto de vista, a Constituição garante à União a competência para explorar os serviços e instalações de energia (art. 21, inc. XII, letra “b”) e para legislar sobre energia (art. 22, inc. IV). A propósito dessa questão constitucional, no STF há decisão cautelar da ministra Cármen Lúcia, na Ação Cautelar 3.420 MC/RJ, em Recurso Extraordinário, com Agravo 764.029-RJ (ação cautelar para atribuir efeito suspensivo a agravo), sobre a inconstitucionalidade de lei municipal do Rio de Janeiro que criou a obrigação de substituição da rede elétrica aérea por rede subterrânea.

A lei municipal tem repercussão sobre serviços submetidos a regulação federal

Destaque-se que o recurso extraordinário mencionado foi interposto pela Light Serviços de Eletricidade contra o município do Rio de Janeiro, e também contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que reconheceu a constitucionalidade da lei municipal que, ao tratar da política urbana e ambiental municipal, impôs a obrigação de eliminação do cabeamento aéreo, com a respectiva transformação em subterrâneo.

Segundo a própria decisão cautelar do STF, ao atribuir o efeito suspensivo ao recurso extraordinário, a jurisprudência do STF é no sentido de impossibilitar a interferência dos entes da Federação nas relações jurídico-contratuais entre o poder concedente federal e as empresas concessionárias – especificamente há a vedação constitucional às alterações das condições do contrato de concessão de serviço público federal por lei local. Conforme a decisão cautelar do STF, a lei municipal do Rio de Janeiro interfere no equilíbrio econômico e financeiro do contrato administrativo entre a União federal e a concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica (Light), o que violaria o art. 37, inc. XXI, da Constituição. Este fundamento da decisão cautelar do STF abrange a análise da lei municipal sob o aspecto da relação jurídico-contratual entre a União e uma concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica. A jurisprudência do STF em outros casos é no sentido de afirmar a competência do titular do serviço público para disciplinar questões de infraestrutura para a execução dos respectivos serviços aos consumidores.

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Para além desta questão, existe outro aspecto constitucional. É que a lei municipal em análise tem repercussão sobre os serviços de telecomunicações e de conexão à internet. Os serviços de telecomunicações (telefonia e tevê por assinatura), inclusive o de conexão à internet, estão submetidos a regulação federal. Daí porque a constitucionalidade da lei municipal em análise pode ser apreciada sob o enfoque da competência federal para regular e explorar os serviços de telecomunicações. Está em discussão a solução para o problema do conflito entre a lei municipal e a competência da União na verificação da configuração ou não da invasão da competência federal. Enfim, o enquadramento da questão constitucional que envolve as leis municipais sobre a implantação de fiação no subsolo urbano, com a eliminação da fiação aérea na cidade, é relevantíssima e terá futuros desdobramentos no âmbito do STF. A lei municipal tem repercussão sobre a vida dos consumidores e cidadãos, bem como sobre as empresas de telecomunicações, energia e conexão à internet.

Ericson Scorsim, advogado, é especialista em Direito das Comunicações, mestre em Direito pela UFPR e doutor em Direito pela USP.