Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça condenou, no REsp 1.467.888, por danos morais o padre Luiz Claudio Lodi da Cruz. Em 2005, o sacerdote católico impetrou um habeas corpus para preservar o direito à vida de um feto com síndrome Body Stalk – vez que os pais haviam obtido autorização judicial para a realização de procedimento clínico de interrupção da gravidez, sob o fundamento de que deveria ser aplicada, ao caso concreto, de forma analógica, a decisão da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, que possibilitou a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos.
Tal decisão se fundamentou na compreensão de que a impetração do habeas corpus se fez para “medrar, em seara imprópria, o corpo de valores que defende – e isso caracteriza o abuso de direito – pois a busca, mesmo que por via estatal, da imposição de particulares conceitos a terceiros tem por escopo retirar de outrem a mesma liberdade de ação que vigorosamente defende para si”. Compreenderam os ministros que houve abuso de direito por parte do impetrante do habeas corpus, e que tal abuso promoveu um dano moral.
O único abuso de direito cometido foi o promovido pela Turma do STJ contra o padre
O habeas corpus é, há mais de 800 anos, uma garantia “constitucionalmente” instituída para proteger ou afastar possível violência ou coação contra a liberdade ou locomoção cometida por ilegalidade ou por abuso de poder. Além disso, a Constituição Federal garante a todos o acesso ao Poder Judiciário para apreciar possível lesão ou ameaça a direito (artigo 5.º, XXXV), bem como assegura o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder (artigo 5º, XXXIV, “a”) e, também, o contraditório e ampla defesa (artigo 5.º, LV).
Assim, qualquer interessado pode propor, em nome daquele que esteja sofrendo os efeitos da ilegalidade ou do abuso de direito, um habeas corpus – como, por exemplo, um padre pode fazê-lo em defesa do direito à vida de um feto quando uma decisão judicial possibilite a interrupção de sua gestação face uma analogia ilegal e indevida com uma outra decisão judicial.
Então, o único abuso de direito cometido foi o promovido pela Turma do STJ que, sob o manto fundamentalista da laicidade do Estado brasileiro, puniu injustamente alguém que simplesmente exerceu uma garantia constitucional e buscou, pelo contraditório e ampla defesa, assegurar a proteção do direito de um feto face possível ilegalidade ou abuso de poder.
A terrível dor dos pais pela perda de sua criança ou pela interrupção do procedimento clínico que anteciparia tal sofrimento não pode possibilitar a inversão dos valores democráticos e o afastamento de basilares garantias constitucionais – e falo isso após a perda de duas gestações – porque não há indenização que recupere um dano ao Estado de Direito.
Ao condenado, a sociedade deveria dizer: padre, perdoe os ministros da Terceira Turma do STJ, porque eles não sabem o que fazem!
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