A Constituição Federal de 1988 buscou fortalecer instituições do sistema de Justiça. Restrito ao núcleo composto por Justiça Federal, MPF e PF, curioso é que a história dessas instituições, até o fim dos anos 90, foi de atuação limitada. Por outro lado, chama atenção, nos anos 2000, a mudança de postura desses órgãos. O sistema de Justiça da União interfere, atualmente, na agenda política e econômica oficial, atingindo a governabilidade e, por conseguinte, a estabilidade das instituições.
Fala-se em governabilidade, a grosso modo, em vista das condições ao exercício do poder de governar, levando em conta as relações entre os poderes, o sistema eleitoral e partidário e o equilíbrio entre as forças políticas de oposição e situação. A estabilidade de um governo tem início, portanto, antes das eleições (alianças e financiamento), foco das recentes investigações. Dilma teve a sua campanha e o seu mandato dificultados por vazamentos, interferência na nomeação de ministros, paralisação do Congresso (com Eduardo Cunha mantido no cargo pelo STF) e divulgação de conversas da presidente. Porém, voltemos um pouco para entender esse fenômeno.
O sistema de Justiça interfere na agenda política e econômica oficial, atingindo a governabilidade e a estabilidade
É conhecido o lobby feito por membros do sistema de Justiça na Assembleia Constituinte, via associações de classe, que contribuiu, e muito, para o desenho institucional desses órgãos na própria CF. Esses agentes aprenderam a lidar com as relações de força que se estabeleceram na transição de regime e no que isso importa para um governo, seja ele de que partido for. Os anos 90 foram difíceis para a burocracia jurídica, pois um dos traços da gestão FHC foi a forte base parlamentar que obteve, o que definiu a estabilidade política no seu governo, mantendo os órgãos de controle sob sua batuta. Ficou a lição.
No governo Lula, foram criados o CNJ e o CNMP, e feitas alterações legislativas que fortaleceram os investigadores. Além disso, Lula sempre indicou ao cargo de chefe do MP federal o nome solicitado pela classe respectiva, o que jamais se viu com FHC. Conquanto, no governo do petista se viu uma incursão inédita de órgãos fiscalizadores, a exemplo da AP 470 (o julgamento do mensalão).
Antes de Lula, o Brasil era o paraíso de Adão. O caso de Temer diverge dos antecessores, pois, embora possua maioria no Congresso, não consegue conter a sangria e o ímpeto dos investigadores. Temer mantém baixíssima aprovação popular e pairam sobre ele suspeitas de envolvimento em esquemas de corrupção, sem falar que já é condenado pelo TRE-SP e está inelegível.
Eis o jogo: um governo fraco (Dilma, no sentido de gestão; e Temer, no quesito legitimidade), de alianças custosas (Lula), está vulnerável e cede mais facilmente, inclusive para a burocracia. É inequívoco o papel do sistema de Justiça no impeachment de Dilma e, enquanto antecedente causal, na aprovação da PEC 273 (55) pelo Congresso, que definhará investimentos em saúde e educação. Destarte, a manutenção de Temer depende do TSE, aparentemente não disposto a tirá-lo do poder antes das reformas da previdência e da CLT.
De todo modo, a Constituição de 88 não outorga à burocracia jurídica administrar o país, criminalizar a política e agigantar-se às custas do escoamento do Estado e da democracia. O desarranjo institucional é evidente e a solução mais rápida pode culminar em um remédio amargo, posto que, por aqui, uns loucos matam mosquito com bala de canhão. A classe política e o empresariado estão em alerta, mas quem está encurralado é o povo.
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