Quando vejo colocarem na mesma canoa dos devedores insolventes uma economia frágil como a da Grécia, ao lado de economias robustas como a italiana e a espanhola, sinto que algo está definitivamente errado
O que o mercado financeiro, auxiliado por uma imprensa imediatista e superficial, está fazendo com a crise da dívida americana e do suposto calote que a maior economia do mundo daria em seus credores a partir do início de agosto é de uma desinformação, ingenuidade ou irresponsabilidade espantosas. Os Estados Unidos estão sendo apresentados como um devedor arruinado, incapaz de pagar suas contas quando, na realidade, uma comparação mais adequada seria com alguém que tem propriedades e capacidade a médio e longo prazo de pagamento do que deve, mas enfrenta um problema de liquidez. Assim, esse alguém vai ao seu banco e pede que se amplie seu limite do cheque especial para poder sair do sufoco momentâneo. No caso do Tesouro americano, Obama vai ao Congresso pedir que o limite de endividamento do país seja ampliado, tal qual um cheque especial.
As famosas "agências de rating" não demoraram a rebaixar as notas da dívida americana, como se o dinheiro aplicado nelas estivesse em perigo. Essas agências são aquelas mesmas que atribuíam as melhores notas e conceitos aos bancos e seguradoras que estavam atolados até o pescoço em papéis imobiliários, eufemisticamente denominados de subprime, um termo que não significa muita coisa: é um "subótimo", embora qualquer coisa que não seja ótima possa ser definida como "subótima". No caso, era lixo puro, mas ninguém se importou muito com isso na hora de atribuir os tais ratings. O problema é que o mercado financeiro não aprende, e continua a magnificar a importância da opinião das tais agências, esquecido dos prejuízos que seus julgamentos equivocados provocaram no passado.
Daí vem a imprensa, que está deliciada em chamar de "lixo" a dívida nacional de muitos países. Na realidade, o termo junk é traduzível por "lixo" em português, mas essa expressão é utilizada pelo mercado financeiro para designar todos os papéis financeiros que não são de primeira linha. Ser um junk bond não significa que se trata de um papel sem valor, a ser jogado no lixo e sim que não é tão bom ao ponto de poder ser enquadrado entre os melhores existentes (que compõem o chamado investment grade ou grau de investimento). Todos os papéis brasileiros até dois anos atrás, quando fomos reclassificados para o grau de investimento, eram junk bonds e nem por isso deixaram de ser pagos pontualmente e render muitos lucros aos que investiram neles.
Por que estou gastando tantas linhas nessa tediosa explicação didática? Porque os humores do mercado financeiro são voláteis e uma interpretação apressada ou uma crítica exagerada provocam, imediatamente, reações sérias na vida dos países e das pessoas. Quando vejo colocarem na mesma canoa dos devedores insolventes uma economia frágil como a da Grécia, ao lado de economias robustas como a italiana e a espanhola, sinto que algo está definitivamente errado. De novo, recorrendo a parábolas simplistas, é preciso distinguir alguém que deve muito e que não tem condições nem imediatas nem remotas de pagar o que deve; de uma outra pessoa, que cometeu algumas ou muitas imprudências, endividou-se demasiadamente. mas, tendo algum tempo para recompor sua liquidez, não dará prejuízo a ninguém. Aliás, mesmo quando a situação é complicada, fazer alarde da má situação do devedor é atirar nos dois pés, pela simples razão de que todos os outros credores do infeliz correrão para tentar receber o quanto antes o que lhe é devido.
Em síntese, o mercado financeiro, auxiliado por um tipo de imprensa desinformada ou alarmista, está criando o caldo de cultura para as próximas crises globais. Depois do estrago feito, com os mercados todos em rebuliço, as bolsas caindo, a população nas ruas protestando contra medidas de austeridade e o desemprego em alta, não adianta chorar. Nem fazer como o sujeito que matou o pai e a mãe e pediu clemência ao juiz porque era órfão.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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