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Das delações às confissões

Não será fácil nem rápido: na busca da verdade alcançamos, enfim, a esfera da consciência. Com as delações premiadas, o círculo vicioso chegou à derradeira etapa e, agora, diante da iminência de uma catástrofe, a opção é convertê-lo em ciclo virtuoso.

Hora de reconhecer erros e confessar enganos. Bater no peito, penitenciar-se.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu o sinal ao pedir à presidente Dilma que admitisse os equívocos ou renunciasse. A presidente soube captar a mensagem iniciando um rosário de pequenas e surpreendentes autocríticas. FHC foi adiante e na última terça, num encontro com empresários em São Paulo, proclamou com todas as letras: “o sistema político brasileiro fracassou e somos todos responsáveis”.

A singela confissão e, ao mesmo tempo, a mais dramática constatação do fracasso da República Nova não tocou nas almas, ninguém se tocou. Publicada apenas n’O Globo, não ressoou como deveria, mas, na beira do abismo, aguçam-se os ouvidos. Na quinta-feira, o senador José Serra (PSDB-SP) publicou no Estadão um texto que pode ser entendido como complemento natural à sugestão de expiação coletiva proposta por FHC.

Esta talvez seja a verdadeira crise da nossa imprensa: só manchetes são lidas e percebidas

Animada profissão de fé parlamentarista, acompanhada por uma detalhada rememoração do seu torpedeamento na Constituinte pelos ambiciosos presidencialistas José Sarney, Leonel Brizola, Marcos Maciel e Orestes Quércia, o artigo contém hábil saída para minimizar os efeitos do terremoto provocado pela Operação Lava Jato: ao contrário do imediatismo e precariedade da experiência parlamentarista anterior (1961), o sistema só passaria a funcionar a partir de 2018. As investigações prosseguem, os culpados são punidos, mas estanca-se a crise institucional. Evitam-se traumas e, sobretudo, elimina-se para sempre a perigosa fermentação entre eventuais vencidos e vencedores. O fracasso foi de todos e todos começarão o novo sistema em pé de igualdade.

Apesar do irreversível desgaste da sua imagem, a José Sarney deve ser creditado o mérito de ter inaugurado, dias depois do segundo turno de 2014, a salutar opção confessional, pró-arrependimentos e remordimentos, através de um sonoro mea culpa publicado na página 3 da Folha. Jamais deveria ter retornado à arena política depois de exercer a presidência, reconheceu. Ao mesmo tempo, oferecia à presidente reeleita a magna tarefa de preparar o país para um maduro retorno ao parlamentarismo no decorrer do seu novo mandato.

Ninguém o leu, nem o levou a sério – esta talvez seja a verdadeira crise da nossa imprensa: só manchetes são lidas e percebidas. A Operação Lava Jato já estava em curso, ninguém poderia prever seus incríveis desdobramentos, mas a experimentada raposa política tão próxima do banquete pressentia aquilo que FHC identificou um semestre depois: o naufrágio do atual sistema político.

Hora de encerrar o perigoso jogo de exclusões chamado “nós e os outros”.

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