A competição na economia, na busca pela sobrevivência, com a introdução de inovações e conquista de novos negócios e consumidores, é o cerne do processo dinâmico do capitalismo contemporâneo. Adotar medidas que promovam maior concorrência gera benefícios aos consumidores e às empresas, mas nem sempre a competição consegue se estabelecer de forma ampla quando ocorrem falhas de mercado. Nesses casos, cabe ao Estado, por meio da regulação, promover o contraponto e auxiliar o melhor funcionamento do mercado.
O setor de aviação civil tem uma série de falhas de mercado. Não é um monopólio natural, mas tem fortes barreiras à entrada a novos concorrentes. As três maiores empresas do setor – Gol, Azul e Latam – concentram mais de 86% das decolagens aéreas, gerando necessidade de o Estado definir padrões operacionais para evitar tarifas escorchantes, precarização da segurança e desconforto ao usuário, como o pouco espaço entre as poltronas, limites de bagagem e custos na remarcação de voos.
Um setor aéreo eficaz pode elevar a eficiência de todos os setores que dependem do transporte aéreo, como as vendas pela internet ou o turismo. Mas, da mesma forma, um apagão aéreo, como o ocorrido com a falência da Varig, põe em risco a normalidade de diversas atividades, gerando prejuízos públicos superiores aos benefícios privados.
Conexões e rotas passarão a ser decididas por interesses estrangeiros e fora do país
Nacionalismo ou eficiência?
O Estado deveria preocupar-se mais com os benefícios aos consumidores que com a proteção a grandes empresas
Leia o artigo de Leide Albergoni, economista e professora da Universidade PositivoAssim, o transporte aéreo é um serviço com especificidades que lhe dão um tratamento especial pela sua influência na segurança nacional, na conexão de regiões isoladas e baixo retorno comercial, e na integração interna e externa do país.
O mercado aéreo brasileiro, ainda que em crise conjuntural, observa, no longo prazo, um crescimento consistente. Entre 2006 e 2015, os passageiros pagos transportados mais que dobraram. Nos voos domésticos são mais de 95 milhões de passageiros, ficando atrás só dos Estados Unidos e China. É um filão com ótimas possibilidades de ganhos, na mira de grupos internacionais.
Mas sua internacionalização, com a permissão para que empresas brasileiras tenham 100% de capital estrangeiro, não deve significar ampliação da concorrência, com mais empresas no mercado, ou mesmo preços menores. Haverá prejuízos com a descontinuidade de linhas de menor densidade, afetando cidades médias em todo o país, com perda de conectividade e competitividade regional. Também há descompasso no fluxo cambial: as empresas faturam no mercado doméstico em real, mas importam equipamentos, e remetem lucros em dólar ou euro.
Além disso, com a desnacionalização as operações internacionais são transferidas para a matriz, repercutindo maior custo de transação aos agentes e nas estratégias de conexões e rotas, que passam a ser decididas por interesses estrangeiros e fora do país. Finalmente, a desnacionalização repercute em toda a cadeia de fornecimento de bens e serviços, com decisões de compras centralizadas na matriz, gerando prejuízos a todas as empresas vinculadas à aviação nacional. Não é sem razão que os Estados Unidos, o Canadá e o Reino Unido limitam em 25% a participação estrangeira em suas empresas aéreas e, na União Europeia, o limite é 49%.
O mercado interno está consolidado e a entrada do capital estrangeiro pode injetar recursos novos às empresas, mas não deve colocar um novo player com atuação em rede nacional. Também deve ter pouca repercussão em preços, que já se encontram achatados pela guerra das tarifas. A saúde financeira das empresas do setor, questão urgente, poderia ser favorecida com a ampliação no limite de participação estrangeira para 49% e eliminação de “distorções competitivas” como custos operacionais (querosene de aviação e infraestrutura aeroportuária) e tributários, sem necessidade de promover sua desnacionalização.