Noticiado por toda a imprensa brasileira e internacional, o episódio dos senadores brasileiros hostilizados na Venezuela, comitiva da qual fiz parte, merece uma profunda reflexão. Fomos àquele país em missão oficial do Senado, chancelada pelo governo brasileiro e pelo próprio governo venezuelano.
Ainda assim, alguns amigos do regime e da base do governo tentaram descredenciar essa oficialidade. Devo lembrar que temos legitimidade para essa ação, mas, por desconhecimento ou má-fé, eles perguntaram: o que os senadores estavam fazendo ali, imiscuindo-se em assuntos de soberania de um outro país? Ora, a Venezuela ingressou no Mercado Comum do Sul em 2012. Uma vez integrante do Mercosul, ela tem acordos a cumprir, cabendo ao Congresso Nacional, por desígnio constitucional, fiscalizar o cumprimento desses pactos – entre eles, o Acordo de Ushuaia I e II.
Integração mais que necessária
A constituição da Pátria Grande é ainda um conceito estranho para o horizonte limitado da política brasileira. A negativa ao processo de integração latino-americana possui dois obstáculos estruturais.
Leia o artigo de Nildo Ouriques, professor da UFSC.Antes mesmo de pisarmos em solo venezuelano, sentimos os efeitos deletérios do autoritarismo
Para um país participar do Mercosul, e com isso gozar dos direitos e vantagens ali inscritos, se faz necessária a observância à cláusula democrática. Com efeito, figura como verdadeira condição de integração e de sustentabilidade do bloco o perene e inabalado respeito ao princípio democrático. Princípio que se traduz signo verdadeiramente planetário de civilidade. Pois bem. Sabe-se que faz parte da própria compostura do regime democrático o respeito às oposições. E isso, também sabemos, não está ocorrendo naquele país.
Imbuídos desse espírito, e ciosos de nossa legítima atribuição constitucional, é que partimos para a Venezuela. Rumamos para lá a fim de verificar in loco e a partir do contato com as reprimidas forças políticas do país se a democracia realmente corria risco. Disso tivemos certeza antes mesmo de descer do avião da FAB. Antes mesmo de pisarmos em solo venezuelano, sentimos os efeitos deletérios do autoritarismo. Fomos mantidos no interior da aeronave, sem maiores explicações, por mais de uma hora.
A falta de liberdade que domina os mais variados aspectos da vida venezuelana logo me fizeram lembrar de dois poemas; um, escrito pelo brasileiro Eduardo Alves da Costa, chamado “No caminho, com Maiakovski”; e o outro, do pastor luterano Martin Niemöller. Ambos tratam da acomodação política daqueles que não reclamam quando suas liberdades lhes são tiradas aos poucos, ou daqueles que não se importam porque as vítimas são os outros. Aqueles que foram às trincheiras contra o regime militar sabem muito bem do que estou tratando. A presidente Dilma Rousseff conhece perfeitamente tudo isso e não tenho dúvida de que ela sabe o que aquelas mulheres venezuelanas estão passando.
Portanto, nós fomos nos importar com os venezuelanos e com a liberdade, porque a vida é importante; mas, sem liberdade, ela perde o sentido. Então, cabe-nos agora o desafio de não deixar que essa agressão ao Senado Federal passe incólume. De minha parte, apresentei projeto de decreto legislativo (PDS 215/2015) que revoga a aprovação do Congresso Nacional à adesão da Venezuela ao Mercosul. A proposta faz com que o Congresso possa seguir atento ao desenrolar das relações internacionais brasileiras e reveja a sua posição, exercendo a competência que lhe foi atribuída no inc. I do art. 49 da Constituição.
Por todas essas razões, espero que o governo brasileiro não se apequene, recobre a sensatez e veja que este poder é efêmero, que o Brasil é muito maior e que as instituições são muito maiores. Por fim, reafirmo que o Senado esteve na Venezuela porque as mazelas da América Latina acontecem em ciclos. E espero, sinceramente, contribuir para que o ciclo do terror não volte ao nosso continente.
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