O que o BNDES tem de explicar é por que ele considera de interesse nacional uma megaoperação financeira, em que vai colocar 2,5 bilhões de dólares para não gerar um emprego novo, nem gerar investimentos expressivos na criação de riquezas novas
Até as pedras de petit-pavé das esburacadas e perigosas calçadas de Curitiba sabem que o termo "economia" vem do grego e significa "gestão do lar". Pois bem, qualquer dona de casa sem familiaridade com a teoria econômica é capaz de perceber que, quando se trata de certos assuntos empresariais no Brasil, a verdade é sistematicamente sufocada por uma cortina de sofismas e de malabarismos verbais.
Para ficar no mais recente, primeiro tivemos o caso Palocci, o milagroso consultor que, sem qualquer estrutura técnica, contando apenas com a própria saliva, conseguiu convencer empresários privados (que ninguém, a não ser ele, sabe quem são e que interesses têm) a pagar R$ 20 milhões por palpites e conselhos. Um deles, grande operador de planos de saúde, o contratou a peso de ouro para dar palestras sobre a gripe aviária (ou suína, sei lá), tarefa que seria cumprida perfeitamente pelo médico do posto de saúde mais próximo por uma fração minúscula do preço pago. Só aqui, nestes trópicos tolerantes, é que uma pessoa que está no centro do poder (ex-ministro, deputado federal e chefe da campanha de eleição da presidenta Dilma Roussef) faz esse tipo de coisa e não fica nem sequer vermelho. E ninguém fica pálido de espanto.
Agora é a operação de fusão entre o Pão de Açúçar e o Carrefour. A primeira questão a responder é o que é que o país tem a ver com as brigas acionárias de Abilio Diniz? A segunda é o que realmente o país ganha com a operação, pois invocar o "interesse nacional" genericamente é uma repetição cansativa do velho mantra a respeito do patriotismo, a respeito do qual o Dr. Samuel Johnson tinha ideias bem precisas (consulte o Google e descobrirá, curioso leitor). A terceira é saber o que o BNDES tem a ver com esse tipo de transação.
As entrevistas dos personagens do drama/trama a respeito do assunto são primores de sofismas e de meias-verdades. Se Abilio Diniz vendeu o controle de sua empresa para o Grupo Casino e agora se arrependeu e não quer concretizar a transferência, é um problema para os sócios, as cortes de arbitragem e os tribunais. A posição do BNDES, declarando que só participará da transação se houver consenso entre os envolvidos, desvia, totalmente, o foco da questão. O que o BNDES tem de explicar é por que ele considera de interesse nacional uma megaoperação financeira, em que vai colocar 2,5 bilhões de dólares para não gerar um emprego novo (ao contrário, contribuir para eliminá-los com a "racionalização das operações" da nova empresa), nem gerar investimentos expressivos na criação de riquezas novas, pois se trata meramente de financiar a transferência da propriedade das riquezas existentes. Dizer que a operação vai reforçar o papel internacional do país é outro sofisma, porque o que reforça nosso papel são as nossas reservas internacionais e nossa produção industrial de alta e média sofisticação e não ser donos de cadeias varejistas gigantescas.
O BNDES foi criado em 1952 como parte da estratégia de desenvolvimento estabelecida pelos governos de Dutra e Vargas com a participação da Comissão Técnica Brasil-Estados Unidos, mais conhecida como Missão Abbink. Seu papel era facilitar e financiar projetos estratégicos de desenvolvimento, que modernizassem a infraestrutura brasileira e que estimulassem a incipientíssima economia industrial brasileira de então. E assim fez, financiando a expansão do parque industrial, a indústria automotiva e naval, a construção de usinas hidrelétricas, etc. Com nuances e alterações ditadas pelo tempo, o fato é que o BNDES continua supostamente a perseguir os mesmos propósitos. Agora, a economia brasileira já não é incipiente como era, mas ainda há enormes áreas de investimentos estratégicos a cobrir. Para transferir a propriedade das mãos de um para as de outro, existem os bancos privados e não o banco nacional de fomento.
O resto é conversa fiada, sofisma puro. Não digo que é conversa para boi dormir, pois um grande frigorífico brasileiro estava acordadíssimo quando convocou o BNDES para, também, acudir o "interesse nacional" ajudando-o numa operação parecida.
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