O editorial da Gazeta do Povo de 3 de maio defendeu que a invasão da Assembleia Legislativa do Paraná é inaceitável sob quaisquer circunstâncias. Defenderei, neste espaço, que esta tese é falsa. Primeiro, porque não levou em conta a origem do direito brasileiro; apenas considerou a democracia em geral. Mas a democracia pode ser composta de maneiras diferentes. Segundo, porque não é possível desconsiderar as circunstâncias para a invasão.
Muitos professores e servidores do Paraná queriam invadir a Alep para pressionar os políticos a retirar de votação o projeto de lei que permitia ao governo do estado alterar a Paranaprevidência para utilizar parte do dinheiro com outras coisas. Como último recurso, a invasão foi a forma de protesto encontrada contra o que julgamos inaceitável. Os motivos para a invasão eram quatro.
Desobediência civil não é invasão
O conceito de desobediência civil, cunhado por Henry David Thoreau, é a ideia de que o Estado é um agente tão ruim que nem mesmo um protesto que participe da política é válido, pois consideraria legítima a opressão do adversário.Thoreau, homem dos bosques, percebeu que a única forma de liberdade perante o poderio estatal era recusar-se a ser atingido por este Estado.
Leia o artigo de Flavio Morgenstern, analista político e autor do livro “Por Trás da Máscara”Primeiro: o governo não agiu democraticamente. Não convenceu os representantes dos servidores e a maior parte dos seus representados, e mesmo assim colocou o projeto em votação. Segundo: o governo tem agido desta maneira em vários outros pontos, principalmente na educação e nos presídios. Por exemplo: quase nenhum acordo com os representantes dos professores foi cumprido. Salas continuam fechadas, outras superlotadas, o fundo rotativo das escolas foi diminuído, o terço de férias foi pago parcialmente, as progressões ainda não foram pagas, além das “pedaladas” burocráticas.
Terceiro: a relação promíscua entre o Executivo/Legislativo e o Judiciário. Os juízes têm usado de razões absurdas para dar ganho de causa aos outros dois poderes, sem falar da rapidez dos julgamentos. Houve juiz que chegou a dizer que a primeira greve do ano era ilegal porque o governo tinha voltado atrás e atendido as exigências da categoria. Mentira. Tanto é que até hoje não foram cumpridas. Quarto: as condições de trabalho e funcionamento de escolas, universidades, presídios e outros órgãos estaduais essenciais estão piorando a cada ano, e é preciso dar um basta para não piorar de vez.
Diante deste quadro, o conjunto de servidores queria violar a ordem do plenário legislativo por causa de várias injustiças cometidas pelos poderes estaduais. O ato público de violar leis consideradas injustas é chamado de desobediência civil. Na maioria das vezes esse ato é pacífico. A invasão seria pacífica. Não estávamos armados e não se pretendia agredir ninguém.
A questão é: a desobediência civil é aceitável? Só há uma possibilidade de sê-lo: quando o direito depende da ética. Se a lei não está de acordo com a ética, é justo desobedecer a lei. Se direito e ética são a mesma coisa, como nas teocracias, não cabe a desobediência civil porque a revelação divina é soberana (supostamente ela não pode ser injusta). Se o direito e a ética são diferentes e independentes, as leis podem não ser éticas. Neste caso, a praticidade das leis está acima da ética.
Como as leis brasileiras e paranaenses se relacionam com a ética? As leis brasileiras e paranaenses dependem da ética porque o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, fundamentada na ética – ou seja, fundamentada na ideia de que alguns valores não podem ser violados. Portanto, no Brasil, a desobediência civil é aceitável toda vez que o Estado violar os valores estabelecidos na Declaração Universal.
As escolas públicas e os presídios estaduais estão sofrendo um processo de precarização trágico. Há agentes penitenciários e presos morrendo e outros trabalhando ou sendo punidos em condições subumanas. Injustiça pouca é bobagem perto disso. As escolas públicas estão formando muito mal as pessoas e estão sendo cada vez mais local de agressões, assédio moral e doenças psicológicas. Esse processo de precarização viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em face de tudo isso, defendo que a invasão da Alep em 29 de abril era, sim, legítima.
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