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Copa em Curitiba: quem me lerá?

Poucos temas relacionados à cidade foram tão repetidos quanto os da Copa. Não há dúvida: o temor, com riscos de se transformar em ódio, tem sido mais frequente que o otimismo. Meio ao ruim certeiro e aos eventuais ganhos diminutos, a cidade, que não nasceu no dia da sua confirmação como uma das sedes do evento no Brasil, tem seguido seu mesmo caminho desde há muito tempo. Impossível imaginar que jamais teríamos um alargamento da Avenida das Torres, que não concluíssemos com a necessidade de viaduto ou trincheira na mesma avenida e que a Rodoferroviária um dia não recebesse reformas. Do mesmo modo, já conhecíamos canteiros verde-amarelos, Jardim Botânico iluminado civicamente e hotéis lotados.

Tudo é conhecido: das vitrines e das ruas enfeitadas sai o Papai Noel e surge o Neymar; termina a Marcha para Cristo e surge a Fan Fest, Erasmo Carlos cantará na Pedreira do mesmo jeitão como sempre cantou; partirão os nigerianos e iranianos, mas permanecerão os estrangeiros do Haiti. Para uma coisa ou para outra já sabemos tudo: como organizar multidões, como decorar vias, como se preparar para casas cheias, como reforçar a segurança, como adaptar o trânsito. Então, estamos preparados. Lógico que estamos. Se algo der errado, com o que devemos nos preocupar? Com a nossa imagem no exterior ou com a capacidade de nossos gestores?

Leia a opinião completa de Clovis Ultramari, arquiteto, é professor do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUCPR.

Por que não dissemos "não", quando vieram com essa história de ter a Copa do Mundo em Curitiba? O ufanismo político local (município e estado) podia ser sintetizado na frase reinante: agora o mundo vai ver como Curitiba é boa. Para quê? E o complemento era que os investimentos – públicos, mas também privados, claro – tirariam do papel obras importantes. Cadê? No dia 16 de junho começa a Copa na cidade. Dez dias depois, os turistas irão embora.

E aí entra em cena quem realmente importa: você. Aos poucos nos daremos conta das obras inacabadas, as várias necessárias e não realizadas, e as construídas desnecessárias. Então nos perguntaremos: por quê? Por que não dissemos "não", quando vieram com essa história de ter a Copa do Mundo em Curitiba?

Entre as cidades que sediarão os jogos, Curitiba tem várias vantagens. A primeira delas é que o estádio está no centro da cidade, com quase a totalidade dos hotéis de categorias superiores – acima de três estrelas – a menos de 2 quilômetros de distância; e a Rodoferroviária, por onde parte dos turistas chegarão, vindo de ônibus ou do aeroporto, a menos de 1 quilômetro. Ou seja, haverá um trânsito intenso de pedestres nos dias de jogos. Além disso, é uma região bem servida de transporte público, e também conta com várias atrações turísticas.

A segunda, derivada desta, é que Curitiba não precisaria, portanto, de investimento pesado em infraestrutura de transportes. Mas, já que aceitamos – na verdade, nos candidatamos – sediar a Copa, teria sido o momento de se fazer uma análise realista do que de fato precisávamos, do que poderíamos cumprir em cinco anos, e de como usar a atenção mundial para focar nos projetos que sabemos fazer de melhor: inesperados (uma casa de ópera em pedreira abandonada), de pequena escala (fechar o trânsito em uma via local e fazê-la um jardim ambiental), e de amplo impacto (coletar material reciclado e dar a isso uma identidade urbana, com um caminhão verde tocando uma sineta).

Algumas obras avançaram, como a reforma da Rodoferroviária, que será importante para depois dos jogos. No entanto, no maior espírito Maria-vai-com-as-outras, prometemos até um metrô em cinco anos, e acabamos com um viaduto estaiado. No vídeo sobre a cidade lançado há poucos dias pela Fifa, o atrativo turístico mais recente já estava pronto na Copa da Coreia do Sul/Japão, aquela em que dormi.

Em 2009, em comentário a pedido da revista do Crea-PR, escrevi que corríamos o risco de investir muito para ver Togo jogando contra Tuvalu. Tirando a vinda da Espanha, errei por pouco. Mas não é hora de ser pessimista, e confio em que a cidade fará o melhor para receber os turistas nesses dez dias de festa. O que me preocupa é o 11.º dia.

Fábio Duarte é professor do Mestrado e Doutorado em Gestão Urbana na PUCPR.

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