A esmagadora maioria dos eleitores está sendo representada por deputados com os quais não têm qualquer identidade. O voto em lista agrava mais ainda essa situação e a eterniza
A absolvição de Jaqueline Roriz, depois de filmada recebendo alegremente um pacote de dinheiro de origem malcheirosa, e de Valdemar da Costa Netto, cuja ameaça de cassação por falta de decoro não sobreviveu sequer ao (sic) Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, demonstram que o modelo ético praticado no Congresso foi herdado de inesquecível Tim Maia: vale tudo. (Nestes tempos de liberação sexual, até a proibição de dançar homem com homem e mulher com mulher deve ter sido abandonada).
O descaso dos políticos com o que a população pensa ou deixa de pensar em relação aos dois casos é absoluto e dá razão ao deputado gaúcho Sergio Moraes que declarou estar se "lixando para a opinião pública". Há dois mundos separados, em suspensão coloidal como a água e o azeite: o universo dos supostos "representantes do povo" e o dos representados. Os primeiros, supostamente eleitos pelos segundos para defender seus interesses no parlamento não demonstram qualquer preocupação com o que seus representados gostariam que dissessem ou fizessem. E cosi la nave va ...
Agora imagine, crédulo leitor, o que irá acontecer se o Congresso aprovar a "Reforma Política" em tramitação com a introdução do voto em lista e financiamento público das campanhas. O voto em lista retira do eleitor a possibilidade de votar num determinado candidato, transferindo a prerrogativa de escolher a ordem em que a lista dos mesmos é organizada para os partidos políticos. Não é necessário ser qualquer gênio da Ciência Política para imaginar o que vai acontecer em um país em que os partidos são ficções, verdadeiros frankensteins ideológicos, em que não existe qualquer linha programática ou doutrinária e a condução dos negócios partidários assume exatamente esse caráter, o de negócios. Bismarck dizia que a população não gostaria de saber como as linguiças e as leis são feitas. Pois bem, nossos pais da pátria preferem guardar em segredo como as decisões partidárias são tomadas e, caso passem as excrescências do voto em lista com financiamento público de campanha, como os candidatos serão escolhidos. A ilegitimidade dos nossos representantes políticos é escandalosa: apenas 35 dos 513 deputados federais eleitos na legislativa atual chegaram ao Congresso com seus próprios votos; todos os demais dependeram de votos dados a outros candidatos e que se transformaram em votos de legenda. Em português claro, a esmagadora maioria dos eleitores está sendo representada por deputados com os quais não têm qualquer identidade. O voto em lista agrava mais ainda essa situação e a eterniza. A apatia dos eleitores em relação à vida política é um subproduto inevitável, pois se você se sente alijado do processo político, qual o estímulo para se incomodar com ele?
Só há uma solução e essa consiste em aproximar os representantes dos desejos, aspirações, frustrações e irritações dos eleitores e isso só será possível fazer com a adoção do voto distrital. Na sistemática do voto distrital, o território (estadual, municipal) é dividido em distritos eleitorais, nos quais cada partido apresenta um candidato apenas, sendo eleito o que obtém a maior votação. Se, por hipótese, Curitiba fosse dividida em oito distritos eleitorais, em cada um deles teríamos um candidato de cada partido e os eleitos seriam os que obtivessem a maior votação em cada um deles.
Não sejamos ambiciosos, porém. É muito difícil imaginar que os próprios políticos que se beneficiam tanto com o sistema atual irão alterá-lo profundamente. No entanto, uma mudança relativamente simples poderia ser implantada: considerar o estado todo como um único distrito. Em vez de complicados cálculos de legendas e sobras, o sistema seria simples: os mais votados seriam os eleitos; se tivermos 30 vagas de deputados federais, serão eleitos os 30 mais votados. Em última análise, todos os que estarão chegando ao parlamento, o farão legitimados pela sua própria votação.
Sonho? Bernardo Shaw dizia que há pessoas que olham para algo e se perguntam "por que é assim?". Outros pensam em algo que desejam e se perguntam: "por que não?". Faço parte deste último grupo.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR
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