O que diria dom Hélder Câmara se estivesse conosco nesses momentos de alta e perigosa turbulência política, com falência fiscal do Estado e profunda crise econômica? Propus essa reflexão durante a solenidade de entrega da Comenda Dom Hélder Câmara, que ocorreu no Senado, na terça-feira da semana passada. Um dia que mostrou a gravidade do momento e os riscos de um conflito institucional ameaçando a democracia; dia em que um dos ministros do Supremo determinou o afastamento do presidente do Congresso, que, por decisão da Mesa Diretora do Senado, recusou-se a cumprir a ordem judicial.
Isto em meio a uma profunda crise econômica, que exige decisões rápidas, sem as quais a economia se deteriorará a ponto de provocar ruptura no tecido social. O que se viu nesse dia foi a manifestação de um imbróglio jurídico de proporção destruidora do equilíbrio institucional, em que um lado parece acender o fósforo e o outro, jogar a gasolina.
Isto acontecendo no mesmo dia em que tomamos, mais uma vez, conhecimento de nossa maior tragédia, o atraso vergonhoso na educação de nossas crianças. Em 2015, o Brasil regrediu na qualidade da educação, conforme divulgado em respeitado relatório internacional.
Dom Hélder diria que é hora de derrubar paredes e construir pontes, o contrário do que estamos fazendo
Dom Hélder significava compromisso com os pobres e com a democracia. Ele se assustaria com tantos retrocessos nas nossas conquistas sociais passadas, ameaçando o futuro, e com os riscos institucionais que hoje atravessamos. Mas, como democrata, ele se assustaria ainda mais do que como humanista nas suas preocupações sociais, com a falta de sonhos utópicos, com a divisão do Brasil em corporações sem espírito nacional; partidos sem propostas, sem identidades, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista ideológico; e corrupção generalizada.
E se assustaria com o descrédito que os políticos, eleitos democraticamente, recebem do povo, transformando a crise num impasse institucional. Ele nos alertaria para o risco de a crise se transformar em uma desagregação do tecido social, político e econômico brasileiro. Para enfrentar o momento, ele proporia diálogo.
Diria que é hora de derrubar paredes e construir pontes, o contrário do que estamos fazendo. Sugeriria sairmos dos sectarismos, de um lado e do outro, das certezas plenas, que decorrem da falta de tolerância, sem análises dos problemas. Ele pediria lucidez e responsabilidade. Lucidez para entender os problemas sem os preconceitos que carregamos, e responsabilidade para colocar o interesse do país na frente do interesse de cada um de nós, colocarmos a preocupação com a próxima geração à frente da preocupação com a próxima eleição.
Dom Hélder hoje nos diria: sejam brasileiros antes de serem políticos; tenham compromisso com a verdade antes de terem compromisso com suas interpretações e preconceitos. Sobretudo, que é pelo diálogo com paz que se constrói o futuro; a paz, com lucidez e com responsabilidade.
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