A neura do laicismo na UFPR
Fundada em 1958, a Capela da Reitoria da UFPR foi inteiramente reformada e reinaugurada no último dia 7 de agosto. Volta a oferecer à comunidade acadêmica as missas (toda terça-feira, às 12h30), cultos ecumênicos, grupos de oração e apresentações culturais, especialmente do coro Madrigal da UFPR. Dedicada a Nossa Senhora do Carmo, a capela tem 42 metros de vitral colorido, minuciosamente restaurado.
Pensa-se, de início, que a capela, em um espaço laico, é concessão vantajosa a uma pequena confraria; no entanto, é uma herança deixada à instituição pelos construtores do complexo da Reitoria, que viram na religião não uma inimiga, mas uma aliada no ideal acadêmico de buscar a verdade. Os que se enfileiram, comumente atrasados para as aulas, na espera dos elevadores no térreo do Edifício Dom Pedro I, não observam nas placas de homenagens os nomes de oito religiosos, padres e um bispo, que fundaram as cátedras da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFPR.
Leia a opinião completa de Khae Lhucas Ferreira Pereira, graduando em Filosofia na UFPR.
No dia 7 de agosto, ocorreu no câmpus da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR) uma cerimônia curiosa: a reinauguração da capela universitária, realizada pelo magnífico reitor em pessoa. Após um longo processo de reforma, o curioso em tal evento não foi a sua reabertura ao público, mas a reabertura com a sua "reconsagração", por meio da realização de uma missa católica conduzida pelo bispo auxiliar dom Rafael Biernaski. Além disso, em todo esse espaço há, de modo ostensivo, imagens de santos católicos e símbolos cristãos. Talvez, à primeira vista, pareça não haver nada errado com isso; entretanto, como já indicamos em outros momentos neste espaço da Gazeta do Povo, é tudo altamente problemático.
A UFPR é uma autarquia federal e deve seguir as leis gerais da República e as específicas que regulam o Estado brasileiro. Dessa forma, a UFPR deve pautar-se pelo cuidadoso e rigoroso respeito à laicidade do Estado. A laicidade do Estado brasileiro foi definida pelo Decreto 119-A, de 1890, bem como afirmada e reafirmada por todas as Constituições republicanas, incluindo a de 1988 (em seus artigos 5.º e 19). De acordo com essas leis, não é facultado a nenhum órgão e/ou servidor público presidente da República, reitor de universidade ou o mais humilde servidor do menor município do país apoiar ou subvencionar qualquer religião.
Ora, a "reconsagração" especificamente católica, os símbolos presentes e, aliás, o próprio nome da capela, "Nossa Senhora do Carmo", constituem apoios claros a uma religião por um órgão público. Como conciliar os preceitos legais com a existência da capela na UFPR?
Em primeiro lugar, em face da laicidade, a UFPR não deveria ter capela. Nesse sentido, deve-se notar que a universidade apresenta uma séria falta de espaço para alojar gabinetes de professores, grupos de pesquisa, grupos artísticos e de extensão, órgãos administrativos: o amplo espaço da capela poderia ser utilizado para qualquer uma dessas utilidades.
Mas, caso aceite-se a existência da capela como um fait accompli o que não é nenhuma obrigação política ou jurídica , para que ela respeite a laicidade são necessárias mudanças ao mesmo tempo radicais, mas simples: a retirada de todos os símbolos religiosos, guardados para uso quando da prática episódica dos cultos católicos e/ou cristãos; a mudança do nome, para simplesmente "Capela Universitária"; a definição urgente de critérios de utilização do espaço pelos diversos grupos religiosos e filosóficos (convém notar que, entre 2012 e 2014, solicitamos inúmeras vezes à administração da UFPR a apresentação dos critérios de utilização da capela; ou as respostas eram evasivas ou não havia resposta).
A religião é uma questão de foro íntimo e é ilegítimo ao Estado e às suas autarquias promover qualquer uma delas. Por outro lado, não se sabe a que ou a quem serve essa capela: se à comunidade universitária que deseja um espaço de reflexão íntima ou ao proselitismo paraoficial de determinados credos e igrejas. Se a UFPR deseja realmente ser um espaço da prática e da reflexão democráticas, cidadãs e republicanas; se deseja ser um símbolo do que o Paraná e o Brasil produzem de melhor, é imperativo que a capela seja efetivamente um espaço laico.
Gustavo Biscaia de Lacerda é sociólogo da UFPR e doutor e pós-doutor em Teoria Política pela UFSC.
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