Aprende-se mais sobre administração estudando história, política, religião e alguns livros de estratégia militar do que nessa literatura que está mais para a astrologia do que para a astronomia
Helmuth Schmidt, ex-chanceler alemão, dizia que um dos seus grandes prazeres na vida era frequentar livrarias e gostava de repetir: "Quando entro em uma, sinto-me como um sultão que entra no harém: sei o que fazer, só não sei por onde começar". Para quem lê por prazer ou obrigação profissional, frequentar livrarias é no mínimo muito divertido. No meu caso, vou direto para as estantes das publicações sobre administração e nunca me decepciono, pois a safra de novidades é inesgotável. Nutro uma antipatia visceral por um tipo de literatura supostamente "especializada" e acredito piamente que os livros que realmente são fundamentais na arte e na ciência da administração não ocupem mais do que uma prateleira. Aprende-se mais sobre administração estudando história, política, religião e alguns livros de estratégia militar do que nessa literatura que, em matéria de rigor científico, está mais para a astrologia do que para a astronomia. Mas que os livros e os títulos são divertidos, isso são...
A começar pelos temas. Um filão inexaurível é a literatura militar. Um general chinês de existência discutível chamado Sun Tzu escreveu um livro que é um clássico, A Arte da Guerra, um daqueles poucos eleitos dignos de pertencer à prateleira que mencionei acima. Para quê! Na esteira de Sun Tzu já apareceram dezenas de "Artes da Guerra", "Para Executivos", "Para Gerentes", "Para Mulheres" e até um inacreditável "A Arte da Guerra para Quem Mexeu no Meu Queijo", que deve ser uma abordagem militar-gastronômica da estratégia empresarial. Napoleão Bonaparte também não escapou.
Agora é Jesus Cristo que está na moda. Depois de martirizar os militares, os autores resolveram recrucificar Cristo com títulos como Gestão de Pessoas segundo Jesus, Jesus, o maior executivo que já existiu, Jesus Coach, Jesus, a Pessoa Mais Intrigante e Influente que Já Existiu e Lições de Liderança de Jesus.
Fico pensando o que seria do céu se o Senhor resolvesse recorrer a esses consultores antes de mandar Seu filho à Terra.
"Senhor" começou o primeiro consultor "com o devido respeito, parece-nos que existem alguns pontos duvidosos da maior importância, pois eles podem inviabilizar totalmente a operação. Por exemplo, a questão geográfica e geoestratégica. O centro econômico e político do mundo está situado em Roma, que irradia influências para as outras regiões. Portanto, se quisermos gerar um efeito multiplicador realmente importante, a Operação JC (consultores adoram abreviações e acrósticos) terá de ser em Roma mesmo; numa segunda etapa, irradiar para o resto do Império Romano e depois para o restante do mundo conhecido. No entanto, vejo que o Senhor está pensando em lançar o projeto na Palestina, uma área periférica do Império onde não existe nenhum potencial de trendsetting. Esta com o devido respeito é uma decisão arriscada".
"Nada contra a Palestina" engatou o segundo consultor "mas temos de ser realistas: o que se sabe da região é que os grupos locais se detestam mutuamente e estão permanentemente em conflito, o que inviabiliza qualquer tentativa de criar um clima favorável para utilizar as técnicas do viral marketing. Os efeitos da operação podem demorar três, quatro séculos até atingirem o centro do poder no mundo, o que é um prazo demasiado longo. E há ainda o problema do meio e da mensagem. A língua, por exemplo, pois o aramaico é pouco conhecido. Chequei também os currículos dos que vão participar e são todos gente muito simples, pescadores analfabetos... Será que estarão à altura da complexidade toda de uma operação desse porte e com objetivos tão vastos?"
Na saída da reunião, os consultores comentavam: "acho que O convencemos..." "Também, pudera, os nossos argumentos eram muito fortes."
Na antessala cruzaram com um conhecido. "Oi, Gabriel! Que é que anda inventando por aqui?" "Não sei. O Senhor mandou me chamar com urgência. Pelo jeito é coisa muito importante!"
PS: Este artigo foi publicado originalmente em 2006 e foi um dos que meus escassos leitores mais gostaram. Em homenagem a eles e especialmente ao Natal e à "Operação JC", resolvi republicá-lo. Um excelente Natal para todos os que me brindaram com sua companhia e paciência.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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