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O engajamento pela mudança na fotografia

Não consigo parar de pensar sobre o corpo do menino de 3 anos, Aylan, afogado na costa da Turquia junto com mais uma dezena de pessoas, fugindo da guerra da Síria, tentando chegar à Grécia. As fotos que vi na imprensa mostram um menino morto, o rosto meio enfiado na areia da praia, e, depois, seu corpinho sendo carregado por um policial. Quantas imagens chocantes este menininho viu e sentiu, na guerra, nas inúmeras tentativas de fuga e, ao fim, afogando-se? Com nó na garganta, fico imaginando a cena de um barco superlotado, furado, sendo invadido pela água e as crianças se agarrando a seus pais desesperados.

Segundo o jornal alemão Zeit, em 2014 foram contabilizados 3.279 corpos no Mar Mediterrâneo. Outra fonte comunica que desde 2008 o número de afogados chegaria a 40 mil mortos. As reações dos europeus vão desde o tradicional “e eu com isso?” ao “nós também provocamos migrações em massa com a exportação de armamentos e um comércio internacional injusto”.

Devemos manter aceso o desejo e a luta por outros tempos

O segundo flash é por nossa conta. Jogos Olímpicos. “Dormi com rato, barata e esgoto”, diz operário em obra da Rio 2016, em uma entrevista para a BBC Brasil. Ele é um dos 11 trabalhadores descobertos pelo Ministério Público do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro em condições análogas à escravidão. “Se você está achando ruim, pede a conta”, teria sido a resposta do patrão às reclamações. Depois de ser muito explorado, voltou para o Nordeste, para sua família. O mesmo jornal Zeit denuncia condições de trabalho semelhantes nos canteiros de obra para a Copa de 2022, no Catar, onde os trabalhadores estrangeiros são ameaçados de não receber os salários, ou de deportação, se reclamarem.

O que é bárbaro, mesmo? Na Grécia antiga, era bárbaro quem não falava grego e estava fora de sua cultura. Em nosso período colonial, eram os índios e os negros os tais bárbaros. Os europeus, os civilizados. Já que bárbaro não é ser humano, a gente pode escravizar. Assim (des)caminhamos por muito tempo.

A fotografia do menino afogado foi divulgada nas redes sociais com hashtag em turco, cuja tradução quer dizer “humanidade é um fracasso”.

O grande momento da civilização europeia foi, segundo o filósofo Francis Wolf, a Andaluzia do começo do século 10.º, quando coexistiam as três culturas monoteístas, a judaica, a muçulmana e a cristã. O grande momento da civilização atual seria o da escolha pessoal, coexistir em dignidade, cuidar da vida, pagar a dívida social e ecológica. E, se isso for utópico demais, ser menos brutal já é um bom projeto.

Provavelmente a foto do menino será em breve substituída por outra, igualmente trágica; o glamour da Olimpíada abafará os escândalos sobre as condições de trabalho; e uma guerra seguirá a outra. O engajamento por mudança, pequena, despretensiosa, corre, quem sabe, o risco de se alastrar.

Devemos manter aceso o desejo e a luta por outros tempos. Talvez o tempo da delicadeza, diria Chico, mas não um tempo que nos consome com dúvidas, medos e dores.

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