| Foto: Claudinei Ligieti/Estadão Conteúdo

O Brasil vai vivendo duramente o fim de um ciclo. A ideia pós-regime militar de que a esquerda, herdeira moral do bom e do justo, era a única capaz de colocar o Brasil no rumo do desenvolvimento, do progresso e da justiça faz água por todos os lados, após o imenso buraco aberto pela Lava Jato. Com todos os próceres do PT, o líder da esquerda brasileira e da América Latina envolvidos até a medula em corrupção, o que se abre pela frente é, de um lado, a ideia de que não há um lado político monopolizador da moral e do desenvolvimento; e, do outro, a ideia falsa que vai se cristalizando, de que a mãe de todos os nossos problemas é a corrupção.

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De repente, as expectativas de mudança e transformação social se deslocam da classe política, com acento na esquerda, e se transferem para o Judiciário e o Ministério Público. Nossos problemas deixam de ser percebidos como resultado, anteriormente, da ditadura militar, da má disposição dos políticos ou da insensibilidade das elites para centrarem-se, agora, na corrupção sistêmica que envolve altos agentes políticos e agentes privados com forte influência sobre a classe política no centro do poder.

A transformação da corrupção no significante dos males nacionais dá inicio a um novo ciclo de expectativas em relação às possibilidades do país. Entretanto, assim como nem o regime militar foi a desgraça que se lhe quis outorgar pelos esquerdistas, arautos da democracia que nunca defenderam, nem a esquerda o é agora.

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Está aberta a porta pra um novo ciclo, em que o MPF passa a ser o avatar em que a nação se apoia

No entanto, o que se descortina lentamente a nossa frente é a transformação do Ministério Público, federal ou não, na flâmula erguida em nome de um país justo e desenvolvido. O próprio MP vai se arrogando tal papel, à medida que, em nome do sucesso da Lava Jato, conclama a população em seu apoio, sabendo que ele é necessário, uma vez que o que está em jogo também é uma disputa por mentes e corações, com o prejuízo de, caso perca, a Lava Jato não vir a lograr o seu intento.

Empurrado de sua posição inicial de um poder de caráter técnico, responsável em investigar e punir malfeitos e corrupções, o Ministério Público encontra-se agora no centro do palco político, tendo ao mesmo tempo de realizar o seu trabalho e responder pelas enormes expectativas políticas em torno dele, alimentadas por uma população intoxicada pelo noticiário político e policial.

Não é possível antever o resultado da Lava Jato, nem a extensão prática e conclusiva da sua ação sobre os investigados de alto coturno que estão enredados nessa trama, nem o que sobrará do mundo político tal qual o conhecemos. Mas é possível sugerir que, ainda que o mundo político seja todo ele transformado por essa investigação – uma quimera –, certamente o Ministério Público sairá profundamente modificado na maneira como ele mesmo se entende e entende seu papel.

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Os golpistas da República em 1889, os revoltosos tenentistas da década de 1920, os revolucionários de 1930 com Getúlio, os militares em 1964, os esquerdistas das Diretas Já em 1985, todos eles tiveram algo em comum: mudar o país, moralizá-lo. Todos eles se arvoraram como o novo tempo que não pode mais esperar. Sinceros ou cínicos, todos eles se toldavam com o manto de um Brasil melhor.

Tenho a impressão de que iniciamos a mesma história que infinitamente se repete: um novo grupo, dentro do mesmo contexto de profunda crise moral e política, se levanta, por sua vontade ou não, à vanguarda das mudanças que se impõem. O Judiciário e o MPF associam ao seu poder legal, como instituições da República, o mais poder simbólico que a população, a partir de agora, passa a lhe outorgar.

Dada a sua característica pulverizada na sociedade brasileira, com milhares de promotores, procuradores, juízes e quetais, o que se experimentará de agora em diante pode ser a ação sanhosa de um poder, investido da procuração social e popular, para que faça “o que precisa ser feito” – isto é, prendam-se todos. O que acabou de aconteceu com o pastor Silas Malafaia pode caracterizar um MP agindo muito além de seus limites.

Dado o cansaço e o esgotamento da nação com a impunidade dos poderosos, e a metástase da corrupção sistêmica instalada, nada se interporá entre o MPF e aquilo que dele se espera da parte da população. Está aberta a porta pra um novo ciclo, em que o MPF passa a ser o avatar em que a nação se apoia em nome da superação do nosso atraso.

O que pode se desdobrar disso tudo ao longo do tempo é um fenômeno de caça às bruxas em nome da profilaxia das instituições. E o que é bom por um lado certamente terá outro lado, ainda impossível de antever.

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Luciano Alvarenga é sociólogo e mestre em Economia.