O embate político ameaça bater às portas do Supremo Tribunal Federal. Não pelo caminho tortuoso, mas constitucional, da judicialização da vida, que tem levado a essa corte questões que deveriam ser objeto de discussão e deliberação pública (leia-se “Congresso Nacional”); mas pela via da politização da Justiça, naquilo que a política tem de pior: as negociatas e acordos, em um movimento aberto de troca de farpas e favores, ao sabor do momento, para benefícios futuros, em total desconsideração e desrespeito aos cidadãos brasileiros. Estes cada vez mais distanciam-se da vida política, e dessa forma colocam em risco a democracia.

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Estarrecida, a sociedade brasileira tem ouvido comentários de que alguns senadores, para mostrar força ou vingar-se da Presidência, poderiam vetar a nomeação do jurista Luiz Edson Fachin para ocupar a vaga de Joaquim Barbosa no Supremo. A Constituição assegura ao Senado a competência para aprovar a escolha dos ministros, que devem ser brasileiros maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e ilibada reputação, nomeados para a função vitalícia de defensores e guardiões da Constituição. Este procedimento é a homenagem dos constituintes ao sistema de freios e contrapesos, que torna viável o princípio da separação de poderes, cláusula pétrea da nossa Constituição e condição para a vigência do Estado democrático de direito.

Nenhum senador ou instituição até o momento questionou as credenciais jurídicas de Fachin ou imputou-lhe algum crime

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A escolha ou a recusa do nome de Fachin, se baseada em vingança ou afago, como alardeiam (quando deveriam ter vergonha) alguns senadores, traz pelo menos três sérias consequências. A primeira é impor aos senadores o dever de justificar todas as suas anteriores escolhas. Como garantir que as mesmas razões mesquinhas externadas por senadores hoje não teriam dirigido também as escolhas, por exemplo, de Marco Aurélio Mello, primo de Collor e por ele nomeado; Gilmar Mendes, nomeado por FHC quando era advogado-geral da União, encarregado de defender seu governo; e Carlos Ayres Britto, antigo filiado ao PT, nomeado por Lula, todos sabatinados e que tiveram seus nomes aprovados pelo Senado? Em segundo lugar, o STF fica reduzido a um coadjuvante nas intrigas políticas entre governo e oposição, Executivo e Legislativo, ameaçando transforma-lo em um tribunal pró ou contra o governo da hora, e comprometendo seu papel na defesa e guarda perene da Constituição. Quando senadores, desviando-se do dever constitucional de sabatinar e escolher os ministros do STF exclusivamente de acordo com os critérios fixados na Constituição, ameaçam fazê-lo de forma comezinha e irresponsável, por vingança ou amor, decretam a morte do Supremo Tribunal Federal. Em, por fim, conduz-se o Senado Federal ao suicídio político. A única forma de a sociedade não ter dúvidas da legitimidade e legalidade da escolha dos ministros do STF é a certeza de que os senadores agem de forma correta. O Senado suicida-se porque terá afirmado exercer de forma irresponsável o dever de escolher os magistrados que devem defender a Constituição. A mesma Constituição que alguns senadores, por vontade própria, terão se encarregado de jogar no lixo.

Nenhum senador ou instituição até o momento questionou as credenciais jurídicas de Fachin ou imputou-lhe algum crime que possa comprometer sua idoneidade e seu papel como futuro magistrado da corte. Esses são os critérios que devem dirigir a escolha dos ministros do STF, para o bem do Supremo, a sobrevivência do Senado, o respeito à Constituição e o alívio da sociedade.

Claudia Maria Barbosa, doutora em Direito, é professora titular de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.