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Artigo

O Brasil e suas dores

A trajetória passada condiciona as possibilidades futuras. Este célebre conceito de Douglass North soa como óbvio, mas o óbvio precisa ser reforçado nos dias de hoje.

A trajetória brasileira mostra uma personagem em construção. Vive o dia a dia de uma identidade ainda rasa, de formação recente. Somos fruto de uma natureza tropical exuberante, mas nunca compreendida como valor econômico. País de singularidades históricas, como ser a única colônia que foi capital de uma monarquia europeia e a triste nação que tardou em acabar com a escravidão. Suas peculiaridades, mestiçagens, exageros e vaidades, somadas à grande extensão territorial, resultaram em uma crise existencial que dura 516 anos.

Sob a ótica europeia, fomos podados de toda iniciativa libertária. Nossa economia foi concebida para a exploração e servidão. Brasil empresa-para-os-outros, no sábio termo de Caio Prado. Empresa-para-os-outros e administrada com mão forte, no melhor estilo terror, medo, comando e controle. Como resultado social, a autonomia brasileira nunca teve espaço para florescer.

Nossa economia foi concebida para a exploração e servidão

Estas são as raízes que alimentaram e alimentam o nosso Brasil: um dos campeões mundiais de desigualdade, reforçado pela ausência do valor da autonomia, em um sistema de poder ainda patrimonialista e fisiológico.

A balança de poder reflete essas características. Mantemos um desequilíbrio entre os poderes federativos, em que a União acaba por controlar mais de 50% da fatia orçamentária. Distante dos interesses do povo, mas próxima dos interesses partidários.

A agravante é a Constituição de 1988, que legitima a desigualdade entre União, estados e municípios. Em seu artigo 30, há a definição de que as principais responsabilidades de serviços essenciais para a sociedade estão sob a tutela dos municípios, como a administração da saúde básica, educação, saneamento, coleta de lixo e transporte coletivo. Porém, não há recursos suficientes para os municípios atenderem essas responsabilidades, dependendo dos estados e da União.

Infelizmente, as moedas de troca do jogo são cargos, vagas, ministérios, estatais, nomeações e leis que promovem um projeto de poder. E chegamos à convulsão social que o país vive hoje. O dinheiro está curto, muitas pessoas perderam seus empregos e o impeachment aconteceu. O momento é difícil. A história também. Todavia, um novo episódio surgiu para romper a trajetória passada: a Operação Lava Jato. Um marco histórico contra o patrimonialismo.

Por isso, mantenho o otimismo com duas imagens da natureza. A primeira é a de que tudo está caindo aos pedaços e apodrecendo para um motivo nobre. Alimentar o solo. Pois, na natureza, o que apodrece vira adubo. A segunda é a de uma ostra que recebe em sua concha um incomodo grão de areia. Este grão é dolorido, algo estranho e difícil. Porém, como resultado de anos de digestão, nasce uma linda pérola. Tenho esperança nessas duas imagens e vejo que as dores de hoje nos guiarão para um fértil amadurecimento. A política pós-Lava Jato é uma tela em branco e será uma arte conduzi-la de forma democrática. Como inspiração, fico com a grande frase de Monteiro Lobato: “A arte nasce da dor, assim como a pérola”.

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